O papa Francisco concedeu uma longa entrevista durante o voo de volta a Roma. O pontífice conversou com os jornalistas por uma hora e vinte e dois minutos, em pé. Francisco fez um balanço da viagem ao Brasil e surpreendeu ao tocar em temas delicados, como a reforma da Cúria Romana, o lobby gay e a evasão de fiéis. E, claro, falou de suas impressões sobre o Brasil.
"Boa noite. Foi
uma bela viagem, mas estou bastante cansado", disse o papa aos
jornalistas. "A bondade e o coração do povo brasileiro são
muito grandes. Esse povo é tão amável, é uma festa. No sofrimento (o povo)
sempre acha um caminho para fazer o bem em alguma parte. É um povo alegre,
um povo que sofreu tanto. É corajosa a vida dos brasileiros, eles têm um
grande coração."
Respondendo a uma pergunta
sobre lobby gay no Vaticano, Francisco disse: "Se uma pessoa é gay e
procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O
catecismo da Igreja católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser
discriminados, mas integrados à sociedade".
Francisco também falou sobre a
segurança durante a Jornada Mundial da Juventude. "Não houve um incidente
em todo o Rio de Janeiro. Foi super espontâneo. Eu pude estar com as pessoas,
saudá-las, sem carro blindado. A segurança é a confiança de um povo. Eu prefiro
esta loucura, é uma aproximação. "
O papa fez
elogios à organização da JMJ: "A parte artística, a parte
religiosa, de música, foi muito bonita. Ontem, por exemplo, fizeram coisas
belíssimas. Aparecida para mim foi uma experiência forte, maravilhosa. Quando
estive lá durante a conferência, lembro que queria ter ido sozinho, escondido,
mas não era possível. Depois, o numero de jovens. Hoje o governador falou
de 3 milhões. Não posso acreditar. Mas é verdade, não sei se viram. Do púlpito
até o final, toda praia estava cheia, até onde fazia a curva. Havia tantos
jovens!"
Confira abaixo trechos da entrevista concedida por
Francisco durante o voo de volta a Roma.
Nestes quatro meses, o senhor
criou várias comissões no Vaticano. Que tipo de reforma tem em mente? O senhor
quer suprimir o Instituto para as Obras de Religião, o IOR [mais conhecido
como Banco do Vaticano]? Alguns acham melhor que seja um banco, outros que sejam um
fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas
que estão se dedicando a isso. O presidente do IOR permanece, o tesoureiro
também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai
terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o
melhor. Seja a instituição que for, precisa ter transparência e
honestidade.
Recentemente, o monsenhor
Battista Ricca, um dos diretores do IOR, o Banco do Vaticano, foi acusado de
pertencer ao lobby gay. Como o senhor pretende enfrentar esta questão? Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda fazer,
que é a investigação prévia. Nessa investigação, não há nada do que o acusam.
Não achamos nada. Essa é a minha resposta. Mas eu gostaria de dizer outra coisa
sobre isso. Vejo que muitas vezes se buscam os pecados de juventude de quem
está na Igreja. Abuso de menores é diferente, não é
disso que estou falando. Mas, se uma pessoa, seja laica, padre ou freira, pecou
e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece. E isso é
importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e dizemos que pecamos, o
Senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer. Isso é um perigo. O
que é importante é uma teologia do pecado. Quantas vezes penso em São Pedro,
que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse pecador foi transformado
em papa. A imprensa tem escrito muita coisa sobre o lobby gay.Eu ainda não vi
ninguém com uma carteira de identidade do Vaticano dizendo "sou gay".
Dizem que há alguns. Acho que devemos distinguir entre o fato de ser gay e fazer
lobby gay. Porque nenhum lobby é bom. Isso é o que é ruim. Se uma pessoa é
gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?
O catecismo da Igreja católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem
ser discriminados, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa
tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby: o lobby dos
avaros, o lobby dos políticos, o lobby dos maçons, tantos lobbys. Esse é o pior
problema.
O senhor enfrenta muitas
resistências na Cúria? Se há resistência, eu
ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer:
encontrei ajuda, encontrei pessoas leais.
Na viagem o senhor não falou
sobre aborto, nem sobre a posição do Vaticano em relação ao casamento entre
pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos
para esses casamentos. Por que o senhor não tratou desses assuntos? A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Não era
necessário falar sobre esses temas. Eu também não falei sobre roubo, ou
sobre a mentira. Em relação ao aborto, a Igreja tem uma doutrina clara. Os
jovens sabem perfeitamente qual a posição da Igreja.
Queria uma fala positiva no Brasil, que abre caminho aos jovens.
Queria uma fala positiva no Brasil, que abre caminho aos jovens.
Por que o senhor carrega a sua
própria mala e o que leva dentro? Não tinha a chave da bomba atômica dentro da mala... Eu
sempre fiz isso. Quando viajo, levo minhas coisas. Tenho um barbeador, o livro
da Liturgia das Horas, uma agenda e um livro para ler. O
livro é sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre
carreguei minha maleta. Acho isso absolutamente normal.
Por que pede tanto para que
rezem pelo senhor ? Não é habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele. Sempre pedi isso. Quando era padre, pedia, mas não
tanto nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais quando passei a ser
bispo. Preciso da ajuda do Senhor. Eu, de verdade, me sinto com tantos limites,
tantos problemas, e também sou pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por mim.
É um hábito, mas que vem da necessidade. Eu sinto que devo pedir.
O senhor tem um calendário
definido para o próximo ano? Em outubro devo ir a
Assis. Fora da Itália, quero ir a Israel. O governo israelense fez um convite
para que eu vá a Jerusalém. O da Palestina também. Tenho ainda um convite para
ir a Fátima.
Às vezes, o senhor se sente
aprisionado no Vaticano? Eu gostaria de poder
andar pelas ruas de Roma. Eu era um padre da rua. Os seguranças do Vaticano têm
sido bons comigo. Agora, me deixaram fazer algumas coisas a mais. Mas entendo
que não posso andar pelas ruas.
O Brasil esta perdendo muitos
fiéis. O senhor acha que o movimento carismático pode ser uma forma de impedir
a fuga dos católicos para os pentecostais? Exatamente. Conversei ontem com os bispos sobre o problema da
evasão de fiéis. Vou lhes contar uma história: nos anos 70 e 80, eu não podia
nem ver os representantes do movimento carismático. Certa vez, cheguei a
afirmar que eles confundiam celebração litúrgica com escola de samba. Agora,
acho que este movimento faz bem para a Igreja. Neste momento da Igreja, acho
que são necessários, uma graça do Espírito Santo. E digo mais: não servem apenas para evitar a fuga de fiéis, mas são
importantíssimos para a própria Igreja.
Qual sua relação de trabalho
com Bento XVI ? É como ter um avô em
casa, em meio a uma família. Um avô venerado.
O senhor falou de misericórdia.
A Igreja não deveria ter misericórdia com os casais divorciados e que se casam
novamente? Um dos temas que deverão ser
discutidos na comissão de oito cardeais que criei há alguns meses é como ir
adiante na pastoral matrimonial. Esse será um dos assuntos do próximo
sínodo.
O papel das mulheres na Igreja
pode mudar? A questão da ordenação das
mulheres é um assunto de portas fechadas. A Igreja diz não. No entanto,
acredito que a mulher deve ter papéis mais importantes na Igreja. Uma
Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem Maria. A mulher ajuda a
Igreja a crescer. E pensar que Nossa Senhora é mais importante do que os
apóstolos! Até agora, no entanto, não fizemos uma teologia profunda sobre a mulher. Há as mulheres que
fazem a leitura, que são presidentes da Cáritas. Mas há mais o que fazer.
É necessário fazer uma profunda teologia da mulher.
O senhor se assustou quando viu
o informe do Vatileaks? O problema é grande, mas não
estou assustado.
Como papa, o senhor ainda pensa
como um jesuíta? É uma pergunta
teológica. Os jesuítas fazem votos de obedecer ao papa. Mas se o papa se torna
um jesuíta, talvez deva fazer votos gerais dos jesuítas. Eu me sinto jesuíta na
minha espiritualidade, a que tenho no coração. Dentro de três dias vou festejar
com os jesuítas Santo Inácio, numa missa. Não mudei de espiritualidade. Sou
Francisco franciscano. Sinto-me jesuíta e penso como jesuíta.
Em quatro meses de Pontificado,
pode fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser
papa? O que mais o surpreendeu nesse período? Não sei como responder a isso, de verdade. Coisas ruins
não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos
italianos foi lindo. O encontro com os seminaristas foi belíssimo, e também com
os alunos do colégio jesuíta. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa.
Fez-me chorar, porque penso que os imigrantes, que chegam de barco, são vítimas
do sistema socioeconômico mundial. Mas a coisa pior foi uma dor no ciático.
Sofri disso no primeiro mês. É verdade! Era dolorosíssimo, não desejo a
ninguém.
O senhor deverá canonizar
até o fim do ano os papas João 23 e João Paulo II. Qual é a diferença de
santidade entre os dois? Estamos pensando em
adiar a cerimônia de canonização. É difícil para os poloneses irem a Roma nessa
época do ano. Faz muito frio.
fonte: veja.abril.com.br



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