VISITA DO PAPA MARCA A OPÇÃO PELOS POBRES

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Por Cristiane Agostine
A visita do papa Francisco ao Brasil na próxima semana para a Jornada Mundial da Juventude, a primeira viagem internacional de seu pontificado, poderá dar fôlego à Teologia da Libertação. Nos 15 discursos e homilias que fará no Rio de Janeiro e em Aparecida (SP), o papa deve expressar a opção da igreja pelos mais pobres e a defesa do fim da desigualdade social, bandeiras centrais da ala mais progressista da igreja que foi enfraquecida nos papados de João Paulo II e de Bento XVI.
A expectativa da ala mais progressista da igreja, da qual surgiu a Teologia da Libertação há mais de quatro décadas, é que o papa formalize em seus discursos aquilo que tem demonstrado em suas ações desde que foi escolhido, há quatro meses: a proposta de "uma igreja pobre para os pobres", a realização de reformas éticas e o luta contra os privilégios, o luxo e a ostentação, marcando um novo período na cúria romana.
As declarações que serão feitas pelo papa no Brasil são esperadas por religiosos do mundo todo como um sinal do rumo que a Igreja Católica Apostólica Romana seguirá nos próximos anos.
Um dos principais expoentes da Teologia da Libertação, Leonardo Boff disse que o papa Francisco não é adepto da escola teológica, mas defende suas principais bandeiras. "O papa sempre insistiu na defesa de políticas para aqueles que estão à margem. Fez opção pelos pobres, contra a pobreza e a injustiça social", disse. "Ele assumiu as intuições básicas da Teologia da Libertação. Reforçou a igreja despojada do poder, mas próxima do povo e vem reforçar a defesa das novas democracias que surgiram em oposição à ditadura. Será um contraponto aos dois papas anteriores", afirmou Boff, que enfrentou problemas dentro da igreja por defender a Teologia da Libertação.
Cardeal da Argentina, com forte missão pastoral naquele país, o papa Francisco deve inaugurar "a dinastia de papas do terceiro mundo", disse Boff. "O papa vem da tradição latino-americana cujo trabalho pastoral foi para a África e Ásia. É um papa que não quer ser visto como uma santidade, mas como alguém do povo", disse.
Para o sociólogo Rudá Ricci, o papa Francisco poderá dar "um sopro de vida" às demandas da ala mais progressista da igreja. "O papa não é da Teologia da Libertação. É de centro. Mas tem um comportamento mais altruísta, menos espetacular e mais afável. Ele muda o rumo da igreja católica e perseguição aos desafetos da Teologia da Libertação", disse.
Há dúvidas e resistências, no entanto, dentro de alas mais conservadoras da igreja sobre o fortalecimento da Teologia da Libertação. Para dom Geraldo Majella Agnelo, um dos cinco cardeais brasileiros que participaram da escolha do novo papa, essa discussão não está posta. "Não está em vista nenhuma bandeira que será colocada para ser seguida para uma transformação. Acho que muita gente está preocupada com bandeiras, para que surja uma caminhada para uma libertação. Não, não tem isso", disse. "O que está colocado é que cada um tenha uma conversão para o entendimento, perdão, misericórdia. O papa está realmente preocupado pela conversão de cada um", afirmou.
No Rio e em São Paulo, a visita do papa deve ser alvo de protestos, ainda na onda das manifestações que levaram às ruas milhares de jovens desde junho. No entanto, o papa deu sinais de que não evitará o contato popular e já afirmou que a voz das ruas precisa ser ouvida, mostrando-se favorável às manifestações. "Com esses protestos, houve mudanças nos discursos, tanto do papa quanto das autoridades que estarão presentes. O papa deve fazer um discurso que irá de encontro com o clamor dos jovens", disse Frei Betto, um dos principais articuladores das Comunidades Eclesiais de Base (CEB).
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil afirmou não ser contrária aos protestos e disse que não teme que as manifestações ofusquem a visita do papa. "Os protestos que assistimos são legítimos e necessários na democracia. As manifestações pediam e até exigiam melhora na realidade brasileira, combate à corrupção, política mais transparente, políticas que atendam as necessidades básicas dos brasileiros. Essas revindicações precisam sempre estar diante de nossos olhos, e não esquecê-las", disse o secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxiliar de Brasília. "O Papa tem insistido nesses pontos e insistido para que os jovens participem ativamente da construção de uma sociedade justa e fraterna", disse.
Questões polêmicas, como o aborto e o casamento homossexual tendem a ficar fora do discurso do papa. No entanto, religiosos e especialistas ponderam que o papa terá mais "flexibilidade" em relação a esses temas, levando em consideração as mudanças culturais da sociedade.
No país com o maior número de católicos do mundo, com 132 milhões de fieis, o papa deverá sinalizar também como a Igreja Católica Apostólica Romana pretende fazer para estancar a perda de fieis para outras igrejas, como as pentecostais e neopentecostais. Para religiosos e especialistas, a sinalização aos mais pobres, que migraram para as igrejas evangélicas, pode ser um caminho.
Ex-presidente da CNBB, dom Geraldo Majella procurou minimizar a redução do percentual de católicos no Brasil, que passou de 89,9% para 64,5% entre 1980 e 2010, segundo o IBGE. "Isso é muito relativo. O importante é que a chama de fé existe e essa chama não vai se apagar. Creio que o que a igreja tem a preocupação é de fazer com que as pessoas saibam em quem acreditar, por que acreditar e, portanto, tenham esperança na própria fé", disse. " É a expectativa que a igreja quer proporcionar aos jovens. É uma animação que o papa traz para que as pessoas verdadeiramente saibam em quem acreditar. Isso é importante", afirmou.
Valor, 19-07-2013.

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