A vitória vaticana contra os gigantes dos tribunais dos EUA

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Por John L. Allen Jr.
Jeffrey Lena, o advogado que representa o Vaticano nos tribunais norte-americanos, ainda está derrotando mil gigantes quando se trata dos casos de abuso sexual. Na última segunda-feira, um juiz federal do Oregon rejeitou o caso John V. Doe versus Santa Sé, a última ação pendente em um tribunal norte-americano relacionado aos abusos sexuais que citava o Vaticano como acusado.

Dois outros casos semelhantes, um no Kentucky e outro no Wisconsin, já haviam desmoronado. Em todos os três casos, os processos foram retirados a pedido dos advogados de acusação enquanto aumentavam as dificuldades de contornar as proteções garantidas ao Vaticano sob a Lei de Imunidades Soberanas Exteriores de 1976.

Até agora, o Vaticano lutou contra esses processos sem admitir qualquer irregularidade e sem pagar um centavo em indenizações.

A Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres (SNAP, na sigla em inglês), o principal grupo de defesa em prol das vítimas de abuso, efetivamente prestou a Lena um elogio ao contrário, afirmando em um comunicado da última terça-feira que uma "advocacia inteligente e agressiva" era a culpada pelo resultado.

Tal advocacia, criticou a SNAP, "protegeu altos autoridades católicas de terem que responder no tribunal pelo seu repetido e imprudente sigilo e cumplicidade em um preocupante abuso sexual infantil e encobrindo o caso".

Originalmente apresentado em 2002, o caso do Oregon referia-se a Andrew Ronan, um ex-padre irlandês que pertencia aos servitas, que morreu em 1992. Documentos divulgados como parte do caso revelaram que Ronan se envolveu em má conduta sexual nos anos 1950, enquanto atendia um convento irlandês e foi então transferido para a escola de Ensino Médio St. Philip´s, em Chicago, também dirigido pelos servitas, onde ele abusou de jovens em 1963 e 1964. Em 1965, Ronan foi novamente transferido para a Igreja de St. Albert, em Portland, Oregon, onde o processo alega que ele abusou do autor da ação, identificado apenas como "John V. Doe".

Ronan foi laicizado em 1966.

O núcleo do processo é a alegação de que Ronan estava agindo como um "agente" ou "empregado" da Santa Sé enquanto atuava como padre, e o Vaticano, assim, é responsável por danos provocados pelo seu comportamento. Quando o juiz Michael Mosman determinou em 2006 que ele iria considerar a base factual dessa alegação, ele provocou manchetes pelo indício de que, talvez, o muro da imunidade soberana do Vaticano estava começando a rachar. O Vaticano apelou durante todo o processo até a Suprema Corte, com o apoio do governo Obama, mas em 2010 a Suprema Corte se recusou a intervir, permitindo, como efeito, que Mosman seguisse em frente.

O inquérito de Mosman levou o Vaticano a dar o passo sem precedentes em 2011 de publicar online o que ele alegava serem todos os documentos em seu poder relacionados com Ronan. O mais antigo datava de 1966, um ano depois de ter ocorrido o abuso descrito no caso. Era uma carta de Ronan solicitando a laicização com base no que ele descreveu como "repetidas, admitidas e documentadas tendências e atos homossexuais contra o voto de castidade e o celibato do sacerdócio".

Tendo examinado o rastro de papel, Mosman determinou, em agosto passado, que o Vaticano não poderia ser considerado como o "empregador" de Ronan, que puxou o tapete debaixo da argumentação da acusação e preparou o terreno para a retirada da ação um ano depois.

Olhando para trás, há algumas formas pelas quais o Vaticano teve sorte na forma como esse processo se desenrolou.

Primeiro, as autoridades e representantes da Igreja, durante anos, têm tentado convencer as pessoas, com pouco sucesso, de que o catolicismo não é o monólito rígido e gerido de cima para baixo do mito popular. Agora, eles têm um tribunal federal dos EUA no seu registro que diz que os padres não trabalham para o papa, ao menos no sentido usual – eles não são contratados ou demitidos por Roma, eles não são supervisionados pelo Vaticano, seus salários não saem dos cofres vaticanos etc. Se um padre tem um chefe, trata-se do bispo local, e não do bispo de Roma.

Esse processo judicial provavelmente fez muito mais do que meia dúzia de seminários de pós-graduação em eclesiologia para fomentar uma compreensão realista de como a Igreja funciona, em outras palavras.

Em segundo lugar, o Vaticano escapou de um tiro no sentido de que foi o caso do Oregon que atraiu uma intensa revisão de um juiz federal, em vez do processo O´Bryan versus Santa Sé do Kentucky, que foi arquivado em 2004 e removido em 2010.

Os casos do Oregon e do Wisconsin foram arquivadas por Jeffrey Anderson (foto), o advogado de mais alto perfil que representa as vítimas de abuso clerical. O advogado, no caso do Kentucky, era um advogado local, que o abandonou porque não conseguia encontrar outras vítimas que ainda não faziam parte de litígios contra a Igreja. Portanto, os custos não valiam a potencial compensação no fim do caminho.

Se o processo tivesse seguido em frente, ele teria sido um teste fascinante por causa de uma diferença-chave no seu argumento subjacente. Ao contrário do Oregon e do Wisconsin, a ação judicial do Kentucky afirmava que os bispos, e não os padres, são "agentes" ou "empregados" do Vaticano, e, ao varrer os abusos para debaixo do tapete, eles estavam agindo de acordo com as políticas estabelecidas pelos seus supervisores de Roma.

Independentemente da opinião pessoal de cada um sobre isso, certamente há um argumento mais forte, tanto teológica quanto praticamente, ao definir os 5.100 bispos do mundo como "empregados" do Vaticano, em vez dos 412 mil padres. Se uma terceira parte neutra realmente colocasse a alegação debaixo do microscópio, seria mais difícil prever por qual caminho as coisas poderiam ir.

Dado o temperamento litigioso dos tempos, é perfeitamente possível que algum tribunal, algum dia, vai voltar a essa questão. Por enquanto, contudo, a equipe jurídica norte-americana do Vaticano pode respirar um pouco.

A última quarta-feira trouxe um lembrete de que a limpeza dos escândalos de abuso ainda está em andamento, com uma frase da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano a respeito de um sacerdote de alto perfil da Sicília, chamado Carlo Chiarenza (foto).

Ex-reitor da catedral da diocese siciliana de Acireale e figura proeminente da cena local, Chiarenza havia sido acusado de abuso por um cientista siciliano chamado Teodoro Pulvirenti, que se pronunciou publicamente no ano passado, alegando que Chiarenza o molestou entre 1989 e 1991, quando Pulvirenti tinha 14 ou 15 anos. Para embasar tais acusações, Pulvirenti divulgou a fita de uma conversa com Chiarenza que ele gravou secretamente, na qual o padre parecia admitir o abuso.

Na quarta-feira, o bispo de Acireale anunciou que a Congregação para a Doutrina da Fé havia concluído uma investigação canônica e constatado que Chiarenza era culpado, condenando-o a deixar a diocese e proibindo-o de exercer qualquer ministério público ou de assumir qualquer cargo eclesiástico.

Chiarenza continua afirmando a sua inocência e os seus advogados dizem que vão recorrer ao sistema de justiça criminal italiano para tentar limpar o seu nome, na esperança de uma absolvição que leve a Igreja a reconsiderar o seu veredito.

Dentre outras coisas, essa reação ilustra uma impressionante ironia. Há não muito tempo, acreditava-se que os padres acusados sempre seriam tratados com mais cautela pela Igreja do que pelos promotores públicos. Hoje, os padres acusados, ao invés, ocasionalmente se encontram na esperança de que uma investigação civil leve a Igreja a recuar.

O contraste também parece sugerir o quanto as rodas já giraram.
National Catholic Reporter, 09-08-2013.

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