Na galeria ideal de mulheres apaixonadas por Deus, desfilam figuras muitas vezes emocionantes, verdadeiras matriarcas ou mães da Igreja a serem colocadas ao lado de patriarcas e pais da cristandade.
Por Gianfranco Ravasi
Encrustado nas mentes de muitos está o
estereótipo de um cristianismo antifeminino. Como todos os lugares comuns, esse
preconceito também tem a sua verdade, que não se sustenta em equilíbrio, porém,
em comparação com o outro prato onde encontramos a viva presença da mulher como
protagonista.
Não esqueçamos, de fato, que o Cristo ressuscitado aparece sobretudo a um grupo de mulheres – uma classe "inferior" no status social do antigo Oriente Próximo –, confiando-lhes a tarefa de "evangelizar" os apóstolos do sexo masculino, tanto é que a antiga tradição cristã oriental não hesitaria em chamar Maria Madalena de "apóstola dos apóstolos".
Não esqueçamos, de fato, que o Cristo ressuscitado aparece sobretudo a um grupo de mulheres – uma classe "inferior" no status social do antigo Oriente Próximo –, confiando-lhes a tarefa de "evangelizar" os apóstolos do sexo masculino, tanto é que a antiga tradição cristã oriental não hesitaria em chamar Maria Madalena de "apóstola dos apóstolos".
O próprio São Paulo chega ao ponto de definir,
no fim da Carta aos Romanos, uma tal Junia como "apóstola" com o seu
marido Andrônico (16, 7), ao lado de uma pequena multidão de outras mulheres, a
partir da "diaconisa" Febe, para continuar com Prisca, Maria,
Trifena, Trifosa, "a querida Pérside", a mãe de Rufo, terminando com
Pátrobas, Júlia, a irmã de Nereu e Olimpas.
Tente-se depois percorrer as outras Cartas
paulinas para desfazer o mito de um Paulo misógino, firmemente convencido, ao
contrário, da igual dignidade dos dois sexos aos olhos da fé: "Não há mais
diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e
mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo" (Gálatas 3, 28).
Certamente, o contexto sociocultural não era o
contemporâneo, nem no horizonte judaico, nem no greco-romano. Basta apenas
evocar a desconcertante oração matutina sugerida pelo Talmude babilônico ao
judeu homem, para que agradeça a Deus por não tê-lo feito nascer nem pagão, nem
mulher, nem ignorante.
E, apenas para escolher a flor das flores do
outro setor, o clássico, um refinado autor latino como Aulo Gélio (século II),
nas suas popularíssimas Noites Áticas, era lapidar: Mulier, malum necessarium!
A objeção, porém, poderia ser esta: como se comportou o cristianismo posterior
com relação à mulher?
Uma das respostas surpreendentes – sem por
isso anular a escuridão e as necessárias autocríticas – nos é oferecida por uma
freira de hoje, Lisa Cremaschi, da comunidade de Bose (Biella), que abre a
cortina para as suas colegas dos primeiros séculos, verdadeiras matriarcas ou mães
da Igreja a serem colocadas ao lado de patriarcas e pais da cristandade.
Delas, a autora oferece uma antologia de
testemunhos ou memórias, que vão desde as origens até a irmã de São Bento,
Escolástica, no limiar do século VI, uma mulher celebrada por um papa, São
Gregório Magno, que lhe reservaria este extraordinário epitáfio: "Pôde
mais aquela que amou mais".
Nessa galeria ideal de mulheres apaixonadas
por Deus, desfilam figuras muitas vezes emocionantes, começando pela primeira
mencionada, Macrina, irmã de outro grande Gregório santo, o bispo de Nissa, na
Capadócia, que escreveu a sua biografia, e de outro importante personagem
daquela Igreja, São Basílio.
"Contigo, até a noite era iluminada como
o dia", lamentam as suas companheiras freiras no leito de morte, mulheres
aristocráticas e ex-escravas que viviam junto com ela na propriedade familiar
de Macrina, transformada em oásis espiritual.
E depois há Sinclética, celebrada nos Acta
Sanctorum como "a pérola ignorada por muitos", uma conterrânea de
Alexandria do Egito, que se retirou para a vida contemplativa em um
"sepulcro", ou seja, em um dos tantos edifícios funerários egípcios
orientados para o Nilo.
Poderosa no seu retrato biográfico esboçado
por outro grande da cristandade alexandrina, Santo Atanásio, era a
representação do seu crepúsculo na sua decadência física: tendo-se tornado um
cordeiro sacrificial sem voz como o Servo messiânico cantado pelo profeta
Isaías (53, 7), ela fixou o olhar no Invisível, porque "as coisas visíveis
são momentâneas, as invisíveis são eternas".
E depois há o curioso (mas não único) caso –
de contornos lendários, mas de substância histórica – de Maria
"travestida" de homem até assumir o nome de "Marino", para
poder entrar no mosteiro com o pai viúvo, que se tornou monge. Falávamos de
matriz histórica porque um concílio local celebrado em Gangra (Turquia), em
345, havia emitido este anátema contra uma práxis nada insólita: "Se uma
mulher, por suposta ascese, corta os seus cabelos (...) e, em vez do hábito
feminino de costume, usa o masculino, seja anátema!".
A provocação de Maria-Marino, seguida por
outras mulheres, reflete indiretamente o contexto masculino então dominante, ao
qual não se conseguia propor, da parte feminina, outra alternativa senão a sua
imitação.
A esse respeito, Lisa Cremaschi, na introdução
à sua antologia, se interroga com justiça: "Buscar a paridade de direitos
com o homem negando a alteridade é uma forma de libertação para a mulher? Não
é, talvez, apenas mais uma afirmação da inferioridade da mulher que, para poder
se realizar, deveria imitar a ´superioridade´ do homem, tornar-se o que não é,
negando a própria alteridade?".
É um pouco sob essa luz, para além das
questões estritamente teológicas, que se deveria articular, em nível geral, a
espinhosa questão do debate sobre o sacerdócio feminino e, mais em geral, a da
relação homem-mulher e da teoria do gênero.
Deixado para trás há muito tempo (mas em um
nível prático é exatamente assim?) o paradigma da "subordinação" da
mulher ao homem, assim como o seu antípoda radical feminista, se poderia ir
além da rígida paridade muitas vezes artificiosa (as "cotas
rosas"...) e tomar um caminho mais "simbólico", isto é,
unificador, o da reciprocidade na equivalência e na diferença.
É indispensável, portanto, uma metamorfose,
superando precisamente tanto o modelo de inferioridade/complementaridade,
quanto o da abstrata paridade/identidade, para desembocar em uma reciprocidade
relacional com base na equivalência.
Também ajudam para esse êxito as outras
fisionomias femininas reunidas por Lisa Cremaschi: das "biblistas"
Marcela e Paula, as nobres mulheres romanas discípulas e amigas de São
Jerônimo, o célebre tradutor latino das Sagradas Escrituras, até a belíssima
Melania, a Jovem (assim denominada para distingui-la da avó Melania, mais
radical), rica, fascinante, culta, pertencente à alta sociedade romana, casada
contra a sua vontade com um primo que, com ela, assumirá os votos monásticos.
Deixamos aos leitores seguir as aventuras
humanas e espirituais de Melania através da narração do seu secretário
Gerôncio, um nome livremente evocado no poeminha Gerontion, de Eliot (1920).
No entanto, continua sendo forte a impressão
que essas mulheres de terras e de origens diferentes, capazes de subir com
dificuldade pelos caminhos árduos da espiritualidade e da interioridade, com
liberdade, originalidade e criatividade, deixam no leitor moderno. Despojada da
sua ênfase, devemos, no fim, compartilhar a substância da consideração do
Diário de um poeta, de Alfred de Vigny: "Depois de ter refletido bem sobre
o destino das mulheres em todos os tempos e em todos os países, acabei me
convencendo que cada homem deveria dizer a cada mulher, em vez do habitual ´bom
dia´, um ´perdoe!´".
Il Sole 24 Ore,
04-08-2013.



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