Pra não dizer que não falei da Copa

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Por Dom Murilo S.R. Krieger*
Ufa! Finalmente a Copa começou! Não sei se os leitores de jornais ou de noticiários de sites, os ouvintes de rádio ou os telespectadores de TV têm ainda paciência para ver, ler ou ouvir comentários e reportagens a respeito de qualquer coisa referente à Copa do Mundo. E não é para menos: com 20 mil jornalistas vivendo em função dos jogos que começarão no próximo dia 12, não há aspecto, detalhe ou pormenor referente aos jogadores e às seleções que não tenham sido analisados, dissecados ou explorados. Já sabemos nomes de avós de jogadores, conhecemos a comida preferida de um jogador que é reserva do time da Croácia e fomos informados a respeito do time em que jogou, quando tinha 19 anos, um dos atacantes da seleção de Camarões. Tudo bem: futebol é cultura!
Não deixa de ser curiosa, uma Copa do Mundo! Curiosa e admirável! De repente, os países se unem em torno de uma bola de futebol. Parece se esquecerem misteriosamente de divergências raciais, de problemas econômicos, de velhas guerras que deixaram feridas, e começam a torcer. Se é verdade que a FIFA, por sua atuação, tem sido alvo de críticas, e muitas fundamentadas, não podemos nos esquecer, contudo, da importância de seu papel quando se fala do congraçamento de povos e nações, por meio do futebol.
Quando o Brasil se candidatou a sede da Copa do Mundo de 2014, eu, que gosto de futebol, não me empolguei nada. Ao contrário, disse e repeti que sediar uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada é coisa para país rico – isto é, para os países que já resolveram seus problemas básicos e, para receber as seleções nacionais, não teriam muita coisa para fazer, ou, quando muito, uma pequena reforma num estádio, a ampliação de alguns hotéis ou uma nova camada de asfalto numa ou noutra estrada. Já para um país como o nosso, com inúmeros problemas, necessidades e desafios, é outra coisa. Mesmo porque não há “dinheiro de fora” para as construções necessárias e a iniciativa privada não costuma investir em obras assim. O que acaba acontecendo é o remanejamento de verbas. Outras necessidades terão que ser deixadas de lado em função dos estádios – melhor, das arenas...
Mas a Copa está aí, e somos os anfitriões. As seleções já se encontram em nosso meio, conhecendo nossa realidade e nosso jeito de ser. Não somos a Alemanha, como já antecipou um dirigente da FIFA; somos o Brasil, e é hora de mostrar que, apesar de nossas limitações, sabemos acolher bem os visitantes que chegam. Com tantas notícias negativas que correram pelo mundo a respeito de como o Brasil se preparou (ou não se preparou) para a Copa, pode ser que os estrangeiros fiquem até gratamente surpresos com o que virem, ouvirem (mesmo sem entender a nossa língua) e experimentarem. E, quem sabe, passem a falar de forma positiva de nosso país e do nosso povo.
Para enriquecer a nossa experiência, ficarão algumas lições que, espero, guardemos cuidadosamente. Uma delas: não se deve dar um passo maior do que as próprias pernas. Conhecer os próprios limites, aceitá-los e agir de acordo com eles é uma importante lição de sabedoria e humildade. Outra lição: já que não dá para voltar atrás (sejamos realistas: vai ter Copa!), vamos em frente, vivendo com alegria e paz este momento. E, por que não?, torcendo para sermos novamente campeões do mundo. Praticantes de um ótimo futebol, o que se vê especialmente pelas transmissões de jogos europeus, onde estão nossos melhores jogadores, merecemos esse título.
Nada ficará melhor, se a realização da Copa for marcada por manifestações violentas. Nada melhorará, se não formos campeões do mundo. Aproveitando o título deste artigo, completo com Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!” Vamos fazer a hora, mesmo que trabalhando menos nas próximas semanas. Violência gera violência. A violência fere, deixa sequelas ou, mesmo, mata. Aproveitemos esta oportunidade para descobrir que é possível sonhar com um mundo de paz – afinal, a terra é redonda, como a bola de futebol...
CNBB, 17-06-2014.
*Dom Murilo S.R. Krieger é arcebispo de Salvador (BA).

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