Roteiro Homilético: Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor/A

quarta-feira, 18 de junho de 2014

COMUNHÃO COM O DOM DE CRISTO
1ª leitura: (Dt 8,2-3.14b-16a) “Foi Deus quem te alimentou no deserto...”, tipologia do maná – O maná era símbolo da completa dependência de Israel de Javé, no deserto; e também do amor e da fidelidade de Javé. A recordação disso serve de guia para a história (Dt 8,2.14). O caminho do deserto era um ensaio de toda a história salvífica, um teste em que Deus quis mostrar seus dons a seu povo, como os continua mostrando (8,16b). Não provindo da tecnologia humana, o maná significa que o homem vive da palavra e da iniciativa de Deus. * 8,2-3 cf. Dt 2,7; Am 8,11; Ex 16; Mt 4,4; Jo 4,34 * 8,14-16 cf. Jr 2,6; Nm 21,6; Ex 17,1-7; Nm 11,7-9; 20,1-13.

2ª leitura: (1Cor 10,16-17): Unidade no cálice da bênção e no pão repartido – Na Ceia eucarística comungamos da existência (corpo) e morte (sangue) de Cristo. Sendo uma esta vida que comungamos, formamos um só corpo também. Isto não é um jogo de palavras: quem despreza o “corpo de Cristo” (Igreja) ao participar da Ceia de seu Corpo sacramentado, exclui-se a si mesmo da comunhão de vida (1Cor 11,29). Quem comunga em Cristo, não pode comungar com os ídolos (de qualquer tipo) (1Cor 10,14). * Cf. 1Cor 11,23-26; Mt 26,26-28; 1Cor 12,12-13; Ef 4,4; 2Cor 5,14-15.

Evangelho: (Jo 6,51-58): Comer e beber a carne e o sangue de Jesus; o dom da vida de Jesus – Jesus, depois de ter explicado que ele é o verdadeiro maná (cf. 1ª leitura), exige agora também que ele seja tomado como alimento, em todos os sentidos, no sentido do crer e do alimento físico. Isto, somente os que têm o Espírito podem entender (6,63), os que receberam o prometido da Última Ceia e continuam celebrando esta ceia como realização da exigência de Cristo. * Cf. Mt 26,26-27; Lc 22,19; 1Cor 11,24; Jo 15,4-5; 5,26; 14,19-20.
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Como que prolongando a atmosfera pascal, atmosfera do mistério de nossa redenção pelo Senhor morto e glorificado, a Igreja quer celebrar de modo mais expresso o sacramento pelo qual participamos da doação até o fim de seu corpo e sangue, conforme a palavra de Jesus na Última Ceia. Embora esta celebração seja uma extensão da Quinta-feira Santa, o evangelho é o texto eucarístico de João, que não se encontra no contexto da Última Ceia, como nos evangelhos sinóticos, mas no contexto da multiplicação do pão. Jesus explica o sentido do “sinal do pão”.

Para os judeus, a multiplicação do pão significou saciação material (cf. o messianismo político); para Jesus, significava o dom de Deus que desce do céu, e que é ele mesmo, em pessoa. Ora, na última parte do discurso (Jo 6,51-58), Jesus especifica mais ainda: esse dom do céu é “sua carne (= existência humana) dada para a vida do mundo” (cf. a fórmula paulina da instituição da Eucaristia, “meu corpo [dado] por vós”, 1Cor 11,23).

Devemos participar deste dom, para termos em nós a vida que ele nos traz, a vida que não é deste mundo, mas de Deus mesmo, a vida eterna (literalmente: “a vida do século [vindouro]”). Devemos assimilar em nós a existência de Cristo por nós, sua “pró-existência”.

Assimilar, pela fé, pela adesão existencial, dando razão a Jesus e conformando nossa vida com a sua. E o sinal sagrado, o sacramento disto, é: comer realmente o pão que é sua “carne” e beber o vinho que é seu sangue. A “carne” é a existência humana, carnal, mortal; o sangue é a vida derramada na morte violenta. É isso que devemos assimilar em nós pelos sinais sagrados. A essas realidades devemos aderir na fé, assinalada pelo sacramento. Devemos “engolir” Jesus bem assim como ele foi: dado até a morte sangrenta. Realizando autenticamente este sinal, teremos a vida divina que ele nos comunica.

1ª leitura serve para preparar o reto entendimento do sinal do pão, ao qual o evangelho faz alusão. Já no Dt 8,3, o dom do maná, do “pão caído do céu”, é interpretado num sentido não material, mas teologal: o homem vive de tudo que sai (da boca) do Senhor: sua palavra, sua Lei. Ora, a Palavra por excelência é Jesus Cristo. O Sl 147 relaciona, exatamente, o dom do trigo com a palavra que Deus manda para a terra (salmo responsorial).

Na 2ª leitura, Paulo lembra – talvez utilizando as palavras de algum hino dos primeiros cristãos – que o cálice do sagrado “brinde” (bênção) e o pão repartido na assembleia cristã são participação e comunhão do sangue e do corpo do Senhor; participação ou “mistério” que nos faz reviver a doação do Cristo e realizá-la em nossa vida. E essa comunhão do único pão nos torna o único Corpo do Cristo.

Portanto, a festa do Corpus Christi não é veneração supersticiosa de um pedacinho de pão, nem uma ocasião para mandar procissões triunfalistas pelas ruas. É um comprometimento pessoal e comunitário com a vida de Cristo, dada por amor até a morte. É o memorial da morte e ressurreição do Cristo (oração do dia), mas não um mausoléu; é um memorial vivo, no qual assimilamos o Senhor, mediante a refeição da comunhão cristã, saboreando um antegosto da glória futura (oração final, cf. O Sacrum Convivium, de Santo Tomás de Aquino).

Merece atenção ainda a oração sobre as oferendas, inspirada na Didaqué e em 1Cor 10,17, utilizando o simbolismo do trigo e da uva reunidos até formarem pão e vinho, para simbolizar a unidade da Igreja em Cristo. Pois a festa do Corpus Christi é também a festa do seu Corpo Místico, a Igreja, que ele nutre e leva à unidade da mútua doação.

A EUCARISTIA

O evangelho de Corpus Christi é o final do “sermão do Pão da Vida” segundo o evangelho de João. Depois da multiplicação dos pães, Jesus explicou o sentido do “sinal” que acabou de fazer: significava que ele mesmo é “o pão que desce do céu” como um presente de Deus à humanidade. E no fim explicou um sentido mais profundo ainda deste mesmo “sinal”: o sentido que celebramos na eucaristia. Alimentamo-nos de Cristo, não somente escutando sua palavra, mas recebendo o dom de sua “carne” (= vida humana) e “sangue” (= morte violenta) dadas “para a vida do mundo” (v. 51). Tomando o pão e o vinho da eucaristia, recebemos Jesus como verdadeiro alimento e bebida. A sua vida, dada para a vida do mundo, até a efusão de seu sangue, torna-se nossa vida, para a eternidade.

Este dom do Cristo vale muito mais que o maná, com o qual Deus alimentou os antigos judeus no deserto (1ª leitura). O pão e o cálice, recebidos na fé, nos fazem participar da vida que Cristo viveu até a morte por amor, e nos unem em comunhão com os irmãos (2ª leitura). Celebrar é tornar presente. Receber o pão e o vinho da Eucaristia significa assumir em nós mesmos a vida dada por Jesus até morrer para todos nós, em corpo e sangue. Significa “comunhão” com esta vida, viver do mesmo jeito. E significa também comunhão com os irmãos, pelos quais Cristo morreu (“um só pão”).

Quando, na oração eucarística, o sacerdote invoca o Espírito Santo e pronuncia sobre o pão e o vinho as palavras de Jesus na Última Ceia, Jesus se torna presente, dando-nos seu corpo e sangue, sua vida dada em amor até o fim. Quando nós então recebemos o pão e o vinho, entramos em comunhão com a vida, a morte e a glória eterna de Jesus, e também com os nossos irmãos, que participam da mesma comunhão.

Na Eucaristia torna-se presente o dom da vida de Cristo para nós. Mas a Eucaristia se torna fecunda apenas pelo dom de nossa própria vida, na caridade e solidariedade radical. Para que o pão eucarístico realize a plenitude de seu sentido, é preciso resgatar o pão cotidiano da “hipoteca social” que o torna sinal de conflito, exploração, anticomunhão. Quando o pão cotidiano significar espontaneamente comunhão humana, e não suor e exploração, o sentido de comunhão do pão eucarístico será mais real. Antes de falar da eucaristia, Jesus multiplicou o pão comum.

(O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da FAJE).
19/06/2014  |  domtotal.com

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