Por Enzo Bianchi
Habitam em nós, humanos, muitas perguntas, sentimos um desejo de conhecer, de
saber, de comunicar, que nos incita a lançar perguntas. É coerente que as
crianças, não mais bebês, façam continuamente perguntas, para conhecer o mundo
em que estão inseridas. Os pais sabem bem: mais perguntas que afirmações... O
humano é um ser que interroga e se interroga, procurando resposta.
Mas as perguntas são muito mais decisivas do que as possíveis respostas, que nem sempre são satisfatórias. Se Platão fez Sócrates dizer que “o maior bem do homem é interrogar-se sobre si mesmo e, sem tal feito, a vida não é digna de ser vivida” (Apologia de Sócrates – 38 a), podemos levar essa consideração a todas as perguntas fundamentais a respeito da condição humana.
Rainer Maria Rilke, antes de completar 30 anos, escrevia em 06 de julho de 1903 em uma esplêndida carta ao jovem poeta Franz Kappus:
"Caro senhor, Vossa Senhoria é tão jovem, e se encontra assim tão no começo, que o melhor que eu posso pedir, caro amigo, é de que tenha paciência com tudo aquilo que não está solucionado no seu coração, e de tentar amar as próprias perguntas, como se fossem de um quarto escuro a um claro, ou dos livros escritos em uma língua estrangeira. Não pesquise agora as respostas que não lhe possam ser dadas, porque não está pronto para vivê-las... Então, viva com as perguntas. Quem sabe um dia, futuramente, pouco a pouco, sem perceber, se encontrará vivendo as respostas... Nossa missão é difícil, mas quase tudo o que é importante é difícil, e tudo é importante"
Rilke aconselha o jovem de amar as perguntas – ousarei especificar – mais do que as respostas, porque as vezes as respostas não existem ou não sabemos como encontra-las, mas os questionamento surgem, nos habitam, nos movem, nos fazem buscar. E existem questionamentos que são feitos pelos outros, para que possamos ouvir, ou, ao contrário, homem ou mulher, nos oferecer sua face. A face, que na espécie humana é única, é distinta de cada pessoa, e que os nossos olhos veem, encontram, leem, conhecem ou reconhecem, é uma pergunta, como sabia frisar com maestria Emmanuel Lévinas.
Permitam-me de recordá-los um outro grande autor, pra mim um grande mestre: Edmond Jabés, que não por acaso escreveu “Le Livre des Questions” (1963), O Livro das Perguntas, no qual este intelectual hebreu insere questionamentos e procura responde-los, mas somente por pequenas frases, sucintas, quase aforismos, de tal forma que a pergunta continua aberta, e ressoam de novo, de novo...
Sim, o nosso coração humano é habitado por perguntas: de onde venho? Pra onde vou? Quem sou eu? Isso que cerca é real? E entre todas as perguntas, a mais grave: porque a morte me espera? É do profundo, do nosso íntimo, daquele órgão imaginário e simbólico que chamamos “coração”, sem saber direito onde colocá-lo, que surgem pensamentos bons e maus, dos quais são desencadeados os desejos, o querer, o fazer. Existe uma afirmação do profeta Jeremias que sempre me intrigou: “O coração do homem é complicado e doentio; quem o pode compreender?” (Jr 17,9). A fonte das nossas perguntas é complicada e doentia, porque viemos ao mundo a partir de um homem e uma mulher que já se conheceram em meio a males e complicações e, nenhum de nós nasce “sem bagagem”... A nossa existência é decorrente da relação com as nossas raízes, ao que nos precedeu e ao que nos gerou, e é originalmente formada pela nossa história, pelo nosso viver em tempo e lugar precisos.
As perguntas, portanto, geram um ambiente complexo e vario por qualquer um de nós, e é neste terreno que nossa vontade pessoal poderá decidir entre o bem e o mal, pode discernir as perguntas e escolher um posicionamento frente a uma resposta ou deixa-las cair. O nosso caminho de humanização depende antes de tudo deste discernimento pessoal, do nosso compromisso em viver numa lógica de bem comum e de resistência ao amor a si próprio, ao egoísmo de quem vive sozinho ou até mesmo contra os outros.
As perguntas que habitam na gente determinam a qualidade com a qual vivemos e convivemos.
Anteriormente eu me lembrava de perguntas que todo ser humano digno deste nome faz a si mesmo, bem expressas pelo gnóstico Teodoto na metade do século II D.C.: “Quem sou eu? De onde venho? Pra onde vou? A quem pertenço? De que coisas posso ser salvo?” (de acordo com Clemente Alessandrino, Extratos de Teodoto 78; pg. 9.696).
A Bíblia também testemunha questionamentos, sejam relacionados a Deus, pelo homem, sejam do homem, por Deus. Neste diálogo entre o homem e o Outro – que chamamos Deus -, nessa relação que vem desde o início da humanidade e continua ao longo da história, existem muitas perguntas. É conhecido que as perguntas do homem se reduzem, de acordo com suas diversas expressões, a apenas uma: “Oh Deus, nos dará a salvação e nos liberarás da morte?”. As perguntas que Deus faz ao homem, ao invés, são diferentes. A primeira é aquela existente no livro de Gênesis, onde Deus procura o homem que se afastou Dele e o chama: “Adão, onde estás?” (Gn 3,9). Pergunta que questiona o homem em todos os tempos e todas as gerações: onde estás? Que significa: a que ponto do caminho de humanização te encontras? És um homem que todos os dias vence o caráter animalesco que possuis, ou estás sobre um caminho de barbáries, de desumanização, de bestialidade? Ou ainda, citando o comentário de Martin Buber na verdadeira jóia que é O caminho do homem: “Onde estás no teu mundo? Dos dias e anos que te foram dados e já transcorreram... neste meio tempo até onde chegaste no teu mundo?” (Qiqajom, Magnano 1990, p. 18).
Na criação do homem, Deus disse: “Façamos o homem” (Gn 1,26), onde o ‘nós’ – dizem os rabinos – significa que Deus e o homem, juntos, devem fazer o homem, porque o homem se faz mais homem somente com a ajuda do outro, e o Outro com ‘O’ maiúsculo, Deus. Aqui me permito dizer de forma fervorosa uma palavra verdadeira e necessária. Quando se fala em Auschwitz, em Dachau, nos Gulag, ou do massacre das minorias étnicas e religiosas no Iraque ou na Síria pelos jihadistas, sentimos a necessidade de fazer a pergunta: “Onde estava, onde está Deus?”, devemos sentir vergonha e, ao invés disso, nos perguntar: “Onde estava, onde está o homem? Onde estava, onde está nossa humanidade?”, sem atribuir a Deus aquilo que Deus mesmo detesta!
Outra pergunta feita a Deus – atenção, não no início cronológico da história, mas no início de cada vida humana responsável – é: “Onde está Abel, teu irmão?” (Gn 4,9). Depois, a pergunta que é feita a você e que diz respeito a todos os seres humanos, ou seja cada um de nós, por si só, é aquela que atribui ao outro, aos outros, nossos laços pelo vínculo da fraternidade. “Onde está Abel, teu irmão?”, significa “Que relação tens para com o outro? Que responsabilidades sentes com relação ao próximo? Que atenção tens? Ou o renegas, o desconheces, o matas?” Também esta é uma pergunta que não cessa, que todos os dias se renova para todos nós.
Mas as perguntas são muito mais decisivas do que as possíveis respostas, que nem sempre são satisfatórias. Se Platão fez Sócrates dizer que “o maior bem do homem é interrogar-se sobre si mesmo e, sem tal feito, a vida não é digna de ser vivida” (Apologia de Sócrates – 38 a), podemos levar essa consideração a todas as perguntas fundamentais a respeito da condição humana.
Rainer Maria Rilke, antes de completar 30 anos, escrevia em 06 de julho de 1903 em uma esplêndida carta ao jovem poeta Franz Kappus:
"Caro senhor, Vossa Senhoria é tão jovem, e se encontra assim tão no começo, que o melhor que eu posso pedir, caro amigo, é de que tenha paciência com tudo aquilo que não está solucionado no seu coração, e de tentar amar as próprias perguntas, como se fossem de um quarto escuro a um claro, ou dos livros escritos em uma língua estrangeira. Não pesquise agora as respostas que não lhe possam ser dadas, porque não está pronto para vivê-las... Então, viva com as perguntas. Quem sabe um dia, futuramente, pouco a pouco, sem perceber, se encontrará vivendo as respostas... Nossa missão é difícil, mas quase tudo o que é importante é difícil, e tudo é importante"
Rilke aconselha o jovem de amar as perguntas – ousarei especificar – mais do que as respostas, porque as vezes as respostas não existem ou não sabemos como encontra-las, mas os questionamento surgem, nos habitam, nos movem, nos fazem buscar. E existem questionamentos que são feitos pelos outros, para que possamos ouvir, ou, ao contrário, homem ou mulher, nos oferecer sua face. A face, que na espécie humana é única, é distinta de cada pessoa, e que os nossos olhos veem, encontram, leem, conhecem ou reconhecem, é uma pergunta, como sabia frisar com maestria Emmanuel Lévinas.
Permitam-me de recordá-los um outro grande autor, pra mim um grande mestre: Edmond Jabés, que não por acaso escreveu “Le Livre des Questions” (1963), O Livro das Perguntas, no qual este intelectual hebreu insere questionamentos e procura responde-los, mas somente por pequenas frases, sucintas, quase aforismos, de tal forma que a pergunta continua aberta, e ressoam de novo, de novo...
Sim, o nosso coração humano é habitado por perguntas: de onde venho? Pra onde vou? Quem sou eu? Isso que cerca é real? E entre todas as perguntas, a mais grave: porque a morte me espera? É do profundo, do nosso íntimo, daquele órgão imaginário e simbólico que chamamos “coração”, sem saber direito onde colocá-lo, que surgem pensamentos bons e maus, dos quais são desencadeados os desejos, o querer, o fazer. Existe uma afirmação do profeta Jeremias que sempre me intrigou: “O coração do homem é complicado e doentio; quem o pode compreender?” (Jr 17,9). A fonte das nossas perguntas é complicada e doentia, porque viemos ao mundo a partir de um homem e uma mulher que já se conheceram em meio a males e complicações e, nenhum de nós nasce “sem bagagem”... A nossa existência é decorrente da relação com as nossas raízes, ao que nos precedeu e ao que nos gerou, e é originalmente formada pela nossa história, pelo nosso viver em tempo e lugar precisos.
As perguntas, portanto, geram um ambiente complexo e vario por qualquer um de nós, e é neste terreno que nossa vontade pessoal poderá decidir entre o bem e o mal, pode discernir as perguntas e escolher um posicionamento frente a uma resposta ou deixa-las cair. O nosso caminho de humanização depende antes de tudo deste discernimento pessoal, do nosso compromisso em viver numa lógica de bem comum e de resistência ao amor a si próprio, ao egoísmo de quem vive sozinho ou até mesmo contra os outros.
As perguntas que habitam na gente determinam a qualidade com a qual vivemos e convivemos.
Anteriormente eu me lembrava de perguntas que todo ser humano digno deste nome faz a si mesmo, bem expressas pelo gnóstico Teodoto na metade do século II D.C.: “Quem sou eu? De onde venho? Pra onde vou? A quem pertenço? De que coisas posso ser salvo?” (de acordo com Clemente Alessandrino, Extratos de Teodoto 78; pg. 9.696).
A Bíblia também testemunha questionamentos, sejam relacionados a Deus, pelo homem, sejam do homem, por Deus. Neste diálogo entre o homem e o Outro – que chamamos Deus -, nessa relação que vem desde o início da humanidade e continua ao longo da história, existem muitas perguntas. É conhecido que as perguntas do homem se reduzem, de acordo com suas diversas expressões, a apenas uma: “Oh Deus, nos dará a salvação e nos liberarás da morte?”. As perguntas que Deus faz ao homem, ao invés, são diferentes. A primeira é aquela existente no livro de Gênesis, onde Deus procura o homem que se afastou Dele e o chama: “Adão, onde estás?” (Gn 3,9). Pergunta que questiona o homem em todos os tempos e todas as gerações: onde estás? Que significa: a que ponto do caminho de humanização te encontras? És um homem que todos os dias vence o caráter animalesco que possuis, ou estás sobre um caminho de barbáries, de desumanização, de bestialidade? Ou ainda, citando o comentário de Martin Buber na verdadeira jóia que é O caminho do homem: “Onde estás no teu mundo? Dos dias e anos que te foram dados e já transcorreram... neste meio tempo até onde chegaste no teu mundo?” (Qiqajom, Magnano 1990, p. 18).
Na criação do homem, Deus disse: “Façamos o homem” (Gn 1,26), onde o ‘nós’ – dizem os rabinos – significa que Deus e o homem, juntos, devem fazer o homem, porque o homem se faz mais homem somente com a ajuda do outro, e o Outro com ‘O’ maiúsculo, Deus. Aqui me permito dizer de forma fervorosa uma palavra verdadeira e necessária. Quando se fala em Auschwitz, em Dachau, nos Gulag, ou do massacre das minorias étnicas e religiosas no Iraque ou na Síria pelos jihadistas, sentimos a necessidade de fazer a pergunta: “Onde estava, onde está Deus?”, devemos sentir vergonha e, ao invés disso, nos perguntar: “Onde estava, onde está o homem? Onde estava, onde está nossa humanidade?”, sem atribuir a Deus aquilo que Deus mesmo detesta!
Outra pergunta feita a Deus – atenção, não no início cronológico da história, mas no início de cada vida humana responsável – é: “Onde está Abel, teu irmão?” (Gn 4,9). Depois, a pergunta que é feita a você e que diz respeito a todos os seres humanos, ou seja cada um de nós, por si só, é aquela que atribui ao outro, aos outros, nossos laços pelo vínculo da fraternidade. “Onde está Abel, teu irmão?”, significa “Que relação tens para com o outro? Que responsabilidades sentes com relação ao próximo? Que atenção tens? Ou o renegas, o desconheces, o matas?” Também esta é uma pergunta que não cessa, que todos os dias se renova para todos nós.
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