O cuidado com a Terra

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

                                   “Feliz de quem atravessa a vida tendo mil razões para viver”.
Por Dom Murilo S.R. Krieger*
“Dominai a terra!” (Gn 1,28). Com essa ordem do Senhor, dada ao homem e à mulher, começava uma nova etapa na história do universo. Essa etapa deveria ser marcada pela paz, ter como característica o trabalho e ser envolvida por um relacionamento que, séculos mais tarde, Jesus explicitaria em suas pregações.
Conhecemos a resposta que a humanidade deu ao Criador: autossuficiência e desobediência. Esse comportamento está bem sintetizado no episódio da Torre de Babel. Ao plano de Deus, os seres humanos responderam com um outro, marcado pela ambição: “Vamos construir para nós uma cidade e uma torre que chegue até o céu. Assim ficaremos famosos” (Gn 11,4).
Curioso, o ser humano! Convidado a colaborar na construção do mundo, respondeu com uma manifestação marcada pelo orgulho e pela vaidade. Deus, contudo, não deixou de amar seus filhos e continuou confiando neles, respeitando a liberdade que Ele próprio lhes dera. Tanto continuamos livres que, ainda hoje, temos o poder de construir novas “torres de Babel”.
Olhemos nossas cidades. Elas, que deveriam ser um espaço de fraternidade, um campo para colocarmos em prática sentimentos marcados pela solidariedade e uma grande casa para a família dos filhos de Deus, transformaram-se em centros de ganância, de lucro e de egoísmo. É essa a crítica que o Papa Francisco faz em sua encíclica "Laudato si", "sobre o cuidado da casa comum": nossa irmã terra "clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou".
Coloquemo-nos no lugar de um estrangeiro que nos visitasse. Desejoso de conhecer as cidades das quais tanto nos orgulhamos, sairia por suas ruas e praças, entraria em prédios e favelas, relacionar-se-ia com pessoas estudadas e analfabetas, com ricos e pobres. No fim, o que constataria? Talvez comprovasse que palavras como amizade, solidariedade e fraternidade fazem parte de nosso vocabulário, mas nem sempre estão presentes em nossa realidade.
Essa realidade impõe um grande desafio para todos: ser "pastores". A palavra "pastor" lembra o trabalho daquele que congrega as ovelhas, as une, aproxima-se delas, cuida das que estão feridas e preocupa-se com as que se perdem. O pastor não aceita ficar indiferente diante do sofrimento e das incertezas vividos por pessoas que sofrem de solidão, estão desiludidas, desempregadas, sem casa ou sem emprego – e, pior, sem esperança.
A solução para nossos problemas não é fácil. Não existe uma varinha mágica que faça a sociedade superar, de um momento para outro, erros praticados durante décadas ou, mesmo, séculos. Sem a colaboração de toda a sociedade (destaco o papel das organizações não governamentais) e uma firme decisão dos que nos governam (a começar pela de serem eficientes e honestos), nossos problemas só se multiplicarão. Há todo um sistema de vida que precisa ser revisto; há todo um modelo de sociedade que necessita ser reformulado.
Para não construirmos uma nova Torre de Babel, só há uma solução: falarmos a mesma língua – a do amor. Seremos capazes, então, de olhar para nossos problemas e julgá-los com o olhar do Criador, que deu o mundo para todos os seus filhos e não apenas para um pequeno grupo. O próximo passo consistirá em multiplicarmos iniciativas para ajudar os que socialmente nada são e nada têm, uma vez que, sozinhos, eles não conseguirão sair da situação em que se encontram. Depois, procuraremos "unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral" (Papa Francisco).
São metas ambiciosas, é verdade. Mas, como lembrava Dom Helder Câmara, “Feliz de quem atravessa a vida tendo mil razões para viver”.
CNBB 27-08-2015.
*Dom Murilo S.R. Krieger é arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil.

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