Por um ecumenismo da pobreza evangélica

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Por Jérôme Perrin
Recentemente o Papa Francisco fez dois gestos ecumênicos de valor histórico. Dia 15 de junho recebeu em Roma uma delegação da Igreja hussita e da Igreja Evangélica Checa, e expressou profundo pesar pela cruel morte infligida a João Hus, seis séculos antes. Em 22 de junho, durante a visita pastoral a Turim, entrou num templo da Igreja Evangélica Valdense e pediu "perdão pelas atitudes e comportamentos não-cristãos, e até mesmo não-humanos" que a Igreja Católica infligiu aos seguidores de Pedro Valdo, oito séculos atrás.
Os anos 14-15 marcam mudanças de século? Perguntava-se Pierre- François Yves em la-croix.com, dia 22 de agosto de 2014. Do ponto de vista da Igreja e do Cristianismo na Europa Ocidental devemos certamente lembrar 1215, 1415 e 2015.
1215 foi o ano do reconhecimento da Universidade de Paris e da fundação dos Padres Pregadores de Domingos Gusman, um pouco antes da Ordem dos Frades Menores de Francisco de Assis. Foi também o ano da abertura do IV Concílio de Latrão pelo Papa Inocêncio III, ponto culminante da reforma gregoriana, iniciada dois séculos antes, para reformar e purificar a Igreja, libertando-a da sujeição aos senhores locais, disciplinando os costumes do clero e regulamentado a atuação dos leigos. Este Concílio, porém, reforçou consideravelmente o poder monárquico do papa e legitimou uma cruzada contra os Albigenses com a finalidade de esmagar a heresia dos cátaros e o movimento iniciado por Pedro Valdo.
1415 foi o ano da abertura do Concílio de Constança, que pôs fim ao Grande Cisma do Ocidente, após o século XIII em que o papado afirmara seu poder sobre a cristandade ocidental, e um século XIV marcado por uma grave crise da Igreja Católica, com a sede papal mudando de Roma para Avignon em 1309, com duas e depois três sequências de papas e anti-papas a partir de 1378. O Concílio condenou à morte João Hus, o que inflamou a Europa Central durante vinte anos.
Pedro Valdo e João Hus são considerados precursores da Reforma Protestante e no século XVI os Hussitas aderiram à Reforma Luterana, enquanto os valdenses juntaram-se à Reforma Calvinista, mas conservando sua identidade original.
Foi entre 1170 e 1180 que Pedro Valdo, um rico comerciante de Lyon, mudou de vida, vendeu seus bens e pregou o retorno à pobreza evangélica. Ele liderou um grupo de discípulos, homens e mulheres, que se chamavam os “Pobres de Cristo”. Valdo fez profissão de fé católica, ao contrário dos cátaros, e foi inicialmente bem recebido pela hierarquia da Igreja. Mas a ousadia de sua pregação começou a preocupar, de modo que os “Pobres” foram expulsos de Lyon e se espalharam pelos Alpes e em Languedoc, onde foram perseguidos, depois de terem sido excomungados e condenados por heresia.
Organizaram-se, então, numa sociedade valdense clandestina, até a integração dessas comunidades subsistentes à Igreja Reformada. Os valdenses, logo depois, voltaram a sofrer terríveis perseguições relacionadas com a revogação do Édito de Nantes, no final do século XVII. Finalmente, depois de seu exílio no Reino do Piemonte-Sardenha, e da fundação da Itália moderna, no século XIX, puderam formar uma Igreja Evangélica Missionária [1].
Na Idade Média, os “Pobres” não eram os únicos cristãos críticos aos abusos do clero. Como eles, os Patarinos de Milão (de pataria, que significa trapos), os Humilhados da Lombardia, e os Franciscanos menores pregavam o retorno à pobreza evangélica.
Não é insignificante que em 2015 seja um Papa Francisco, herdeiro do ministério do Apóstolo Pedro, que encontra os herdeiros de um outro Pedro, contemporâneo de um outro Francisco. Apesar de 30 anos separarem Francisco de Assis e Pedro Valdo, muitas são as analogias entre estes dois homens, ambos provenientes da burguesia comercial. Tocados pela mensagem do Evangelho e pela necessidade de viver em pobreza, criticam radicalmente as respectivas sociedades. Convertidos, ambos persistirão na fidelidade à fé católica, entre a obediência e a liberdade.
Quanto a João Hus, escandalizou-se desde o início com os jogos de poder dos prelados e com a busca de lucros na venda de indulgências. Como Valdo, também convidava ao retorno à verdade e à pobreza evangélica. Seu apoio às teses de João Wycliffe, causa de sua condenação por heresia, tinha uma perspectiva principalmente moral, em vista de superar aquele tipo de câncer, que era a simonia na Igreja.
As razões doutrinárias que fizeram Pedro Valdo e João Hus hereges, enquanto Francisco de Assis tornou-se um santo da Igreja Católica, não eram certamente mínimas, mas nada justifica a perseguição cometida e sofrida. O ideal da pobreza evangélica, que uniu estes três homens, e a diaconia no seguimento de Cristo, devem ser a base do ecumenismo neste novo século, para além das diferenças entre as Igrejas. É, em todos os casos, a concepção do Papa Francisco que convida a colaborar na evangelização por meio da luta contra a exclusão, pelo socorro aos migrantes e pela ecologia. Como dizia à Igreja Valdense: "A unidade se faz no caminho" e “isso não significa uniformidade", lembrando que o Novo Testamento nos apresenta comunidades cristãs que não têm "nem o mesmo estilo, nem a mesma organização interna".
La Croix, 18-08-2015.
Nota: 1- Giorgio Tourn, Pierre Valdo et les Vaudois, Éditions Olivétan, Lyon, 2010
27/08/2015  |  domtotal.com

0 comentários:

Postar um comentário

 
São Francisco da Penitência OFS Cabo Frio | by TNB ©2010