Os primeiros serão os últimos

domingo, 20 de setembro de 2015

Quem acolhe os pequeninos, os mais desvalidos, ao próprio Deus é que acolhe.
Por Marcel Domergue*
Referências bíblicas:
1ª leitura: "Vamos condená-lo a morte vergonhosa..." (Sabedoria 2,12.17-20)
Salmo: Sl 53(54) - R/ É o Senhor quem sustenta a minha vida!
2ª leitura: "O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz" (Tiago 3,16- 4,3)
Evangelho: "Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos" (Marcos 9,30-37)
A tentação do primeiro lugar
Jesus havia acabado de anunciar que iria ser entregue nas mãos dos homens e que seria morto, crucificado como um malfeitor, como um homem de quem é preciso livrar-se para o bem de todos. O evangelista acrescenta que “os discípulos não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar”. Ora, se temiam interrogá-lo, como de hábito não deixavam de fazer, era sem dúvida porque tinham medo da resposta. Em todo caso, encontravam-se de tal modo nos antípodas do que Jesus acabara de lhes dizer que discutiam sobre quem dentre eles seria o maior. Nem se tratava de saber quem era o melhor, o que seria já bastante pretensioso, mas quem era o primeiro; não é a mesma coisa! Uma manifestação típica da ambição. Mesmo os que, hoje como ontem, deixaram tudo para seguir o Cristo podem ser possuídos por este "demônio". Considerar-se superior, deixar para trás os outros, ocupar o primeiro lugar, num certo domínio ou em todas as coisas. Isto provém no fundo da necessidade de afirmação do próprio valor, do medo de seu próprio vazio, do temor de não estar à altura. A fé é, portanto, o que está em causa: a fé na vida, que é uma forma obscura da fé em Deus. A ambição, pois é disto exatamente que se trata, introduz com facilidade a violência em toda competição. Não esqueçamos que Gênesis 3 apresenta o pecado do homem como a ambição de se fazer "como Deus"; que o primeiro homicídio, o de Abel por Caim, é atribuído à inveja; e que Marcos 15,10 diz que Pilatos compreende ser por inveja que os chefes dos sacerdotes querem a morte de Jesus.
O desejo fundamental
A segunda leitura expressa em termos vigorosos a perversão da ambição. Tiago viu muito bem que os nossos conflitos travados à luz do dia nascem de um conflito que é interior a cada um de nós, entre o nosso desejo de acolher e a nossa vontade de arrebatar. Notemos que nossa ambição por ocupar o primeiro lugar nos deixa a sós conosco mesmo: os outros se tornam de fato simples instrumentos a serem usados para a nossa grandeza. Fechados no círculo do culto ao nosso ego, não sabemos mais que só podemos ser nós mesmos de verdade através da nossa aliança com os outros. Aliança em sentido forte, que nos faz sair das nossas prisões interiores para fazer-nos aceder à semelhança com Deus, que, sendo Um, é Pai, Filho e Espírito, e que se revela a nós como quem se dá, para nos fazer viver. E estamos assim de volta ao anúncio da Paixão, na qual Jesus vai se entregar às nossas cobiças (a "inveja" de Mateus e de Marcos). Ali, ele será "o último de todos" e se fará "servidor de todos", como diz a leitura. Para aí é que nos deve conduzir o nosso desejo profundo, a nossa "ambição", o projeto da nossa existência. Porque não temos outro caminho para nos construirmos à imagem de Deus, ou seja, para existirmos. "O caminho, a verdade e a vida" estão aí, e a este preço. Será que imaginamos poder permanecer em vida fazendo-nos diferentes do Filho, separando-nos da "imagem do Deus invisível"?
Como uma criança
Aqui estamos nós, convidados a voltar sempre ao nosso início, ao estado de não poder nada, exceto acolher o que está por vir, o nosso futuro imprevisível. A voltar, portanto, a um tempo de abertura absoluta. Mas a ambição, na verdade, pode vir a contaminar o nosso desejo: o joio pode crescer misturado à boa semente. Não podemos confundir infância e inocência. O fato é que a criança é o ser humano em sua abertura; ela é, em sua incompletude, o acolhimento ao que vem. Tem a vida toda pela frente. E, para isso, é preciso contar com um fundo de esperança, com a confiança no futuro, mesmo que esta confiança permaneça escondida abaixo da consciência. É esta a fonte da alegria de viver das crianças. A confiança na vida que está por vir passa pela fé, pela abertura confiante em relação às pessoas que estão ao redor da criança, os pais em primeiro lugar, é claro. A criança é antes de tudo filha ou filho de uma mulher e um homem que foram o caminho da ação criadora de Deus. Mas aqui, segundo Marcos, Jesus não está falando da necessidade de que voltemos à abertura e à confiança da nossa infância. Aqui ele nos convida a que, em seu nome, recebamos o mais pobre, o mais desvalido, aquele que nada tem e que, por isso, só pode contar com os outros. Acolher estas pessoas é acolhê-lo, a ele mesmo, e, enfim, acolher o próprio Deus. Deus -e isto nos foi revelado, manifestado no que Cristo viveu - entregou-se em nossas mãos. Tendo nós em vista foi que Deus se fez a si mesmo criança nossa. Entregou-se totalmente à nossa dependência e temos o poder de aceitá-lo ou de recusá-lo.
Sítio Croire 18-09-2015.
*Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês.
20/09/2015  |  domtotal.com

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