Levado para o céu

domingo, 8 de maio de 2016

A Ascensão é o final do tempo de Jesus e também o começo do tempo da Igreja.
Por Marcel Domergue*
Referências bíblicas
1ª leitura: "Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia". (Atos 1,1-11)
Salmo: Sl 46(47) - R/ Por entre aclamações, Deus se elevou, o Senhor subiu ao toque da trombeta!
2ª leitura: "Ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a cabeça da Igreja". (Efésios 1,17-23)
Evangelho: "Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu". (Lucas 24,46-53)
O céu para onde o Cristo subiu
Comparando os dois "relatos" da Ascensão atribuídos a Lucas (1ª leitura e evangelho), compreendemos de imediato que os autores do Novo Testamento não têm a intenção de fazer a história, no sentido moderno da palavra. De fato, os relatos não coincidem nem são as mesmas as palavras atribuídas a Jesus. O que elas dizem exatamente? O que se passou? É um mistério!
Através dos acontecimentos que as primeiras testemunhas vivenciaram, revelou-se uma realidade inimaginável, um destino até então jamais suspeitado para a humanidade em seu conjunto e para cada homem em particular. Temos aí, pois, a verdadeira questão: através das imagens utilizadas e das palavras atribuídas a Jesus, o que querem nos fazer compreender estes relatos? Primeiro, é claro que a morte não saiu vitoriosa com relação ao Cristo.
A Ascensão nos mostra que a vida nova de Jesus, que não escapou simplesmente da nossa morte, mas de alguma forma a integrou, foi reunir-se com Deus. E ao fazer isto, passou com o seu corpo ao invisível, o que constitui um imenso paradoxo, verificando-se mais uma vez que, em Deus, os contrários podem coincidir. Mas o que representa o corpo? Para além da sua natureza "material", o meu corpo é o porquê o "eu" que eu sou está em íntima relação com o universo que me alimenta e com os outros humanos pelos quais eu sou o que sou.
Quando dizemos que Jesus ressuscita e "sobe ao céu" com o seu corpo, queremos significar que conserva e até mesmo leva a um grau insuperável a sua relação com a natureza e com os homens. Por isso todos nós juntos nos tornamos o seu novo corpo. Lembremos Mateus 18,20: "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles". O céu, para onde o Cristo subiu, somos nós, quando o amor nos reúne.
O acesso do homem à vida de Deus
Paulo chama a Igreja de "Corpo de Cristo", como em 1 Coríntios 12,27 por exemplo. Existe Igreja desde que aceitamos fazer-nos um em seu nome. Em certo sentido, a Ascensão é o completar-se da Encarnação, pois é quando o Cristo veio habitar toda a humanidade. E a humanidade, reciprocamente, encontra-se por aí divinizada, pois o Cristo, recapitulando em si mesmo todos os homens passados, presentes e futuros, entrou na vida de Deus.
"Admirável intercâmbio", dirá Santo Agostinho. É que Deus em Si mesmo é intercâmbio, é dom de Si, gerador (dizemos Pai); abertura total ao acolhimento de Si mesmo que, ao mesmo tempo, é acolhimento do Outro, dando-se a Si mesmo (dizemos Filho); retorno do Filho ao Pai (dizemos "Espírito").
Tudo isto, evidentemente, é só aproximativo, porque este "movimento" divino, obviamente, é inexprimível. E o Espírito é não só o "deslocamento" que vai do Pai para o Filho como também o movimento de "volta", do Filho para o Pai. Quando compreendemos que o Espírito nos foi(-nos) dado, descobrimos que entramos neste giro trinitário, que ele nos habita e que nós o habitamos. Existir é isto afinal.
A Ascensão nos diz que a humanidade entra em Deus, regressa para Deus, depois do exílio criado pela escolha da nossa própria suficiência. Este culto a si próprio, que nos impede de ser semelhança de Deus que é relações, foi superado na Cruz. Aí, o Cristo morreu para si mesmo, a fim de existir para o outro e no outro. Nele, a humanidade toda (é que) cumpre esta passagem. Para nos reunirmos em nome de Cristo e nos tornarmos assim (por (aí) habitação divina, temos de passar pela morte de nós mesmos, que é a abertura para os outros. O lado aberto; por consequência, o túmulo aberto.
Elevado acima de tudo
Por que os evangelhos nos mostram Jesus subindo ao céu? O que significa o céu? Temos aqui uma linguagem figurada. Deus, de fato, não é localizável. Por isso, muitos textos bíblicos usam "céu", no singular, para designar o universo estelar, e "céus", no plural, para a residência divina. Este plural significa que Deus está em toda parte, em todas as coisas. Ele é, a uma só vez, "imanente" e transcendente: está em tudo e para além de tudo. Não é localizável.
A Ascensão nos diz que Jesus passou(-se) ao invisível e só pela fé é acessível. Ou, como acabamos de dizer, sua nova visibilidade somos nós, no plural, na medida em que nos fazemos "um" em seu nome. Esta unidade é justamente o fruto da nossa fé, a fé neste Deus-Amor que nos faz existir e que vem nos habitar. Como diz Paulo, isto nos coloca acima das "potestades e dominações" que governam o mundo: o culto ao poder, à notoriedade, à riqueza, ao sexo, etc.
A Ascensão nos diz que Jesus "passou para o que está acima", e nós com ele. Assim, a Ascensão nos diz a palavra final da história, a palavra do fim. O fim da estadia visível do Verbo entre nós; o ponto final, a desembocadura de toda a história humana: estamos a caminho deste termo. Ele já nos está dado, mas como promessa, como objeto da nossa esperança e a fonte da nossa alegria.
Alegria que é a última palavra do nosso evangelho, a última palavra da nossa fé, mesmo se às vezes as nossas condutas nos coloquem em contradição com esta espera. A segunda leitura, tirada da Carta aos Efésios, com outras palavras, nos faz lembrar tudo isto.

Sítio Croire, 06-05-2016.
*Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês.
08/05/2016 | domtotal.com

0 comentários:

Postar um comentário

 
São Francisco da Penitência OFS Cabo Frio | by TNB ©2010