Ama a terra como a ti mesmo

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Um cristão, portanto, ama a Deus, ama o próximo, mas também a terra como a si mesmo.
Por Enzo Bianchi*

Há um mandamento não expresso nas tábuas das dez palavras de Moisés (cf. Ex 20, 1-21. Dt 5, 1-22), mas que se poderia deduzir de cada uma delas, poderia ser a síntese ou o preâmbulo à sua observância. Há anos eu o formulo assim: “Amarei a terra como a mim mesmo”. Conhecemos o mandamento que Jesus uniu ao do amor a Deus (cf. Dt 6,5): “Amarás o próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18; Mc 12,31 e par.) Mas, eu estou convencido que por amar Deus com todo o coração, toda a mente e todas as forças, e o próximo como a si mesmos, ocorre também amar a terra como a si mesmos. A terra (adamah), da qual todo terrestre (Adam) foi tirado (cf. Gn 2,7), é nossa matriz, dela fomos feitos, a ela retornamos (cf. Gn 3,19). Mas, a terra não é somente pó – como sempre se disse -, é um organismo vivo que devemos respeitar, amar, contemplar e, sobretudo sentir solidária conosco. Sem a terra nós não somos, e também a nossa vida interior não é estranha à terra, às plantas, aos animais, à natureza. Antes, é vida interior verdadeira e viva se engloba todas as co-criaturas com as quais somos a terra em rápido percurso no universo.

Um cristão, portanto, ama a Deus, ama o próximo, mas também a terra como a si mesmo, porque a terra é a realidade mais próxima para cada pessoa. A terra é a nossa raiz, é o húmus que nos protegeu e nutriu, mas agora toca a nós proteger a terra, e o caminho de humanização que nos espera deve ocorrer na consciência que agora somos nós os responsáveis ante a terra.  Por milênios a terra nos forneceu abrigo, com suas árvores nos protegeu, com seus frutos nos nutriu, mas nós, com ela, nos tornamos inimigos ou filhos ingratos... Dependíamos da terra, mas hoje é a terra que depende de nós e nos pede respeito, salvaguarda, proteção, amor...

Torna-se, então, urgente uma ética da terra, para os cristãos uma ética da criação que afirme a responsabilidade humana diante do ambiente terrestre. Esta ética da terra requer acima de tudo uma consciência ecológica que seja vigilante e pronta a assumir a responsabilidade sobre o ambiente. Quanta atenção dedicada nos séculos passados no ocidente e no oriente à ascese pessoal, em vista da vida espiritual. Hoje são urgentes uma atenção e um empenho por uma disciplina, uma ascese no uso dos recursos, no habitar o mundo: sobriedade, compaixão cósmica, atenção a toda criatura devem novamente tornar-se palavras eloqüentes para a humanidade.

Mas, esta ética requer também que se concretize o princípio da destinação universal dos bens, do compartilhamento da terra e dos seus recursos. A terra é uma mesa posta, à qual todos são convidados e da qual ninguém pode ser excluído. Hoje são os países ricos que consomem quase a totalidade dos recursos, deixando povos inteiros na miséria e na fome, infligindo-lhes um desfrutamento irracional e assinalado por profunda injustiça. Redescobrir a igualdade e a justiça é absolutamente necessário para afirmar a fraternidade universal, caso contrário esta é somente uma mentira, isto é, uma verdade afirmada com força e solenidade, mas de fato pisoteada.

Enfim, a ética da terra requer que se pense nos direitos das gerações futuras: cada geração deveria ir embora da terra após tê-la tornado mais bela, conhecida, amada e defendida, mas, na realidade, sobretudo as nossas últimas gerações parecem somente capazes de deixar feiúra na paisagem, no ambiente, e parecem responsáveis pelo avanço dos desertos sobre todas as terras.

Há uma conversão planetária a fazer, há um novo mandamento a proclamar:

"Amarás a terra como a ti mesmo, e a terra te recompensará".
Jesus, 10-2014.
*Enzo Bianchi é prior e fundador da Comunidade Bose.
06/11/2014  |  domtotal.com

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