´Fala, que teu servo escuta!´

sábado, 17 de janeiro de 2015

Para responder ao chamado de Deus, é preciso estar pronto, disponível e ter confiança.
Por Marcel Domergue*

Não se fizeram de surdos, os dois discípulos que ouviram João Batista apresentar-lhes Jesus. Há aí um encontro de dois desejos, de duas buscas. André e seu companheiro vieram ouvir João porque estavam em crise, estavam insatisfeitos; insatisfeitos, primeiro, com a situação de Israel ocupada pelos romanos, mas insatisfeitos antes de tudo com o sentido a dar à sua própria vida. Foi o que os fez botar os pés na estrada. E não são os únicos nesta busca, que não é senão o eco de uma outra busca: a busca de Deus à procura do homem. É o “Adão onde estás” de Gênesis 3,9 que ressoa por toda a história e no decorrer de todas as nossas vidas. Falamos sem parar sobre a nossa “busca de Deus”, mas não esqueçamos que Deus é quem antes nos procura.

Pois, justamente, os dois discípulos não sabem muito bem onde estão nem de onde são, e eis que o Batista lhes indica um homem que vai e que vem no meio dos outros que estão ali. À primeira vista, nada de particular, mas este é o homem que os está procurando e ele é o homem a quem eles procuram. E as primeiras palavras que ouvem dele são precisamente “o que estais procurando?” O que quereis ao certo? O que esperais da vida?

O evangelista põe assim em suas bocas uma questão primordial, que está presente em toda a Bíblia: “Onde moras?” Onde Deus habita? Onde podemos encontrá-lo? Jesus responde: “Vinde ver”. Não basta ouvir o testemunho de João, dos enviados de Deus, é preciso experimentar por si mesmo.

“Abristes meus ouvidos” (Salmo)

Paulo dirá que a fé vem pela audição, mas não basta ouvir, é preciso também abrir-se à palavra de outra pessoa. A resposta de Samuel (1ª leitura) exprime bem este acolhimento: “Fala, que teu servo escuta.” Escutar é mais do que ouvir. Uma criança pode muito bem ouvir uma ordem que lhe é dada por sua mãe, e não “escutar”, ou seja, não obedecer. A fé, no entanto, não pode ficar só em ouvir e escutar. Por isso o Salmo 40, depois do “Abristes meus ouvidos”, acrescenta “Então eu disse: eis que venho.” Vir, mover-se: “Vinde ver”, diz Jesus aos seus discípulos. “Vem ver”, dirá Filipe a Natanael que pergunta se de Nazaré pode sair algo de bom (versículo 46, logo em seguida ao evangelho do dia).

Este primeiro deslocamento abre uma lista de muitos outros; até o dia em que “vereis o céu aberto (estivera então fechado até ali) e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (versículo 51, em lembrança da escada de Jacó, em Gênesis 28,10-17) e, para o futuro, uma alusão à ressurreição. A escuta da palavra conduz, portanto, à visão, visão que reaparece mais 10 vezes nesta passagem. Devemos acrescentar que atualmente vivemos sob o regime da audição, da escuta da Palavra. A visão é para o dia em que a nossa condição de filhos de Deus se manifestar plenamente. Veremos então o Cristo tal como ele é e seremos semelhantes a ele (1 João 3,1-2).

"Tu és Pedro"

Nas Escrituras, mudar o nome equivale a uma mudança de destino, a quase uma mudança de natureza. Dali em diante, não será mais a hereditariedade de “filho de Jonas” que falará por e em Simão, mas uma outra hereditariedade: a de filho de Deus. Pedra, ou rochedo, é de fato um título do Messias, como se pode ver, por exemplo, em Daniel 2,31-35.

Essa transformação de Simão não é uma simples mudança de ofício ou de função. Somos trazidos de volta aqui à questão da residência de Deus, abordada no primeiro parágrafo. A morada de Deus entre os homens é inicialmente o Templo, que a Bíblia chama muitas vezes de “a pedra, o rochedo”. E, de esboço artístico, este rochedo fundamental sobre o qual se edificará o edifício acaba por se tornar o próprio edifício. Simão será, portanto, o novo Templo. Mas o Templo é apenas um símbolo. O Cristo (Messias, em hebraico) é aquele que recebeu a unção, a comunicação do Espírito: Deus habita nele. Simão, de qualquer forma, torna-se um outro Messias, “semelhante a ele”. No entanto, a imagem do templo conserva o seu valor, porque a construção realiza a unidade dos diversos materiais. Lemos em 1 Pedro 2,5: “também vós, como pedras vivas, prestai-vos à construção de um edifício espiritual…”

O que é dito sobre Simão refere-se a todos nós, e Paulo pode escrever (2ª leitura): “Vosso corpo é o templo do Espírito.” Afinal, o Templo novo somos todos nós, constituídos em Igreja.
Croire*Marcel Domergue é jesuíta. O texto é baseado nas leituras do 2º Domingo do Tempo Comum (18 de Janeiro de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
17/01/2015  |  domtotal.com

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