Em encíclica, Francisco põe desafio a ricos

terça-feira, 14 de julho de 2015

                     Ao contrário dos antecessores, papa fala e escreve a partir da experiência.
Uma medida da importância e do potencial de influência que possui a encíclica do papa Francisco sobre o meio ambiente, Laudato Si’, é a amplitude das reações contrárias a ela que vieram à tona nos Estados Unidos bem como a rapidez com que tais respostas negativas ocorreram, algumas tendo sido feitas antes mesmo de seu lançamento. Esta encíclica, mais do que qualquer outra nas últimas décadas, atinge o cerne da forma como nós, nos países desenvolvidos, vivemos às custas do – e nos relacionamos com o – resto do planeta.
As reações clássicas de políticos como Jeb Bush (“as opções dele na política e na economia não derivam dos ensinamentos do papa”) e Rick Santorum (“o papa deve evitar temas como o ambiente”) foram atrevidas deste o início nos meios noticiosos adiantados. Mas as observações deles, assim como outras nos noticiários de hoje, irão desaparecer tão rapidamente quanto o orvalho no deserto.
O desafio a longo prazo virá de pessoas com interesses imediatos no embate: os institutos dos ricos e grupos de reflexão (“think tanks”), alguns deles abertamente católicos ou cristãos (pensemos nos grupos Acton, Napa, Ethics and Public Policy, entre outros), e os interesses especiais obstinadamente dedicados a manter o cristianismo vinculado aos interesses econômicos e políticos internacionais dos EUA. Vai ser interessante acompanhar como os estudiosos nas faculdades católicas de negócios, nutridas pelo dinheiro dos irmãos Koch, lidarão com a crítica papal das culturas voltadas ao consumo e das sociedades do descarte.
Pode haver muitas maneiras nas quais os Estados Unidos, historicamente e no presente, constituem um país excepcional, mas nem todas essas maneiras são motivo de orgulho. Francisco está pedindo para sermos maduros o suficiente a ponto de olharmos, sem piscar, para o lado escuro da cultura: para o lado explorador que desde o início, por exemplo, via o hemisfério sul como o nosso “quintal”, com tudo o que esta frase implica em termos de propriedade e direito de fazer o que quisermos.
Alguns já tentaram diminuir o efeito do ensinamento de Francisco em questões econômicas e ambientais, recordando as suas origens argentinas, implicando de certa forma que ele possivelmente não compreenderia os mundos complexos da economia dos EUA e do comércio internacional.
A verdade é que, ao contrário de seus antecessores, que fizeram estas mesmas críticas ao capitalismo desenfreado e à crescente disparidade entre ricos e pobres no mundo, Francisco fala e escreve a partir da experiência. A sua mais recente formação – e ela, aparentemente, teve um grande impacto – veio na forma de anos vividos entre os mais pobres da Terra, aqueles deixados do lado de fora pela economia global e por uma política brutal.
Laudato Si’ confronta a ética do Primeiro Mundo em seus pressupostos fundamentais sobre o direito aos recursos e à mão de obra barata com a crença fundacional de que os lucros continuam a ser o principal e, às vezes, o único critério para o sucesso. Laudato Si’ desafia o estado atual da nossa política americana e a ascensão do individualismo extremo que subjaz algumas das forças políticas mais ativas da esquerda e da direita. A frase “bem comum”, amplamente ausente do discurso político deste país nas últimas décadas, aparece 31 vezes na tradução inglesa do texto.
Assim como Rerum Novarum, na chegada do século XX, marcou o início de uma nova era do ensino social católico, Laudato Si’ busca, para o século XXI, nada menos do que uma grande mudança na ordem social, e convida a comunidade católica a assumir a liderança. Esta encíclica é um convite à justiça que chega, inquietante como é, na soleira da porta dos ricos do Norte global. Não há como evitá-la. Laudato Si’ chegou para ficar.
National Catholic Reporter, 08-07-2015. 14/07/2015  |  domtotal.com

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