O homem tem parte na crise ecológica

terça-feira, 14 de julho de 2015

                     A atual crise ambiental poderia ser atribuída sem a participação do homem?
Por Dom Odilo Scherer*
Durante algum tempo, os fenômenos que desencadeiam a crise ambiental foram vistos como naturais: tempestades magnéticas no sol, influências cósmicas ainda pouco identificadas, além da fumaça de vulcões e dos movimentos cíclicos do clima, que já produziram períodos de aquecimento e resfriamento do clima na história do nosso planeta Terra; já houve, antes de nós, longos períodos de glaciação e aquecimento, sem que o homem interferisse nisso.
A atual crise ambiental poderia ser atribuída igualmente a fenômenos fora do controle humano, ou sem a participação do homem? O maior conhecimento dos fenômenos da crise ecológica atual leva a uma conclusão incômoda: o homem ajudou a desencadear essa crise. E o Papa Francisco, na encíclica – “Laudato si’. Sobre o cuidado da casa comum” – não tem medo de colocar o dedo na ferida e faz refletir. O paradigma tecnocrático que domina a economia e o estilo de vida é causa importante dessa crise. A tecnologia representa um avanço impressionante do domínio do homem sobre a natureza e lhe permite realizar intervenções nunca imaginadas na natureza, para colocar tudo a seu próprio dispor e utilidade. E assim, o homem consegue melhorar a qualidade de sua vida de uma forma extraordinária. Nada mal, se tudo fosse feito na justa medida.
Mas a justa medida e os fins visados no emprego da tecnologia são, justamente, o lado humano que pode interferir no equilíbrio da natureza. A tecnologia produziu máquinas de todo tipo, que demandam energia para funcionar e prestar o serviço desejado pelo homem; este passou a utilizar em demasia os recursos energéticos fósseis, como o carvão e o petróleo, que enchem a atmosfera de gazes de efeito estufa, com suas consequências conhecidas. A agricultura e a pecuária demandam grandes extensões de solos cultiváveis, para responder à demanda do mercado e a certa cultura alimentar, que poderia ser modificada. A destruição das florestas e a degradação ambiental são as consequências indesejadas, mas...
Seria hora de colocar um freio naquilo que vai sufocando e matando a natureza, o homem incluído. Mas quem vai fazê-lo? As máquinas, cada vez mais numerosas, não podem parar, pois trazem comodidades e lucros, aos quais o homem não quer renunciar. E tudo segue em frente, como se nada estivesse acontecendo de errado. O domínio da técnica vai aumentando; parece inevitável que tudo o que é possível tecnicamente, também seja realizado e seja considerado bom. Onde está o limite?
O desenvolvimento tecnológico é ambíguo: pode ser orientado para o bem e para o mal. E isso se verifica mais e mais em relação à natureza, onde certas interferências humanas, possíveis pela técnica, acabam trazendo consequências funestas. Talvez, a humanidade ainda não se dá conta, de maneira suficiente, que faz mau uso do poder que alcançou com a técnica. Pior ainda, quando isso é claramente acompanhado por uma falsa ética utilitarista, que considera bom tudo o que for útil para o homem. Com essa lógica, o homem pode assemelhar-se às formigas, que cortam todas as folhas da planta que as nutre, até matar a própria planta, deixando-as sem alimento...
A crise ecológica traz à evidência uma outra crise, que envolve o próprio homem, com sua maneira de entender a vida, os modelos de vida e de ação neste mundo. O antropocentrismo moderno acabou colocando a razão técnica acima da própria natureza. Nela, o homem já não reconhece mais uma norma referencial a ser respeitada, mas apenas um objeto e espaço de aplicação de seus próprios poderes e desejos. O homem se comporta como dono do mundo e déspota sobre a natureza.
Essa mentalidade e cultura tecnocrática e utilitarista precisa ser revista pois, a continuar assim, a vítima será o próprio homem. Não se agride a natureza sem consequências. O Papa Francisco trata dessa questão no capítulo III da sua encíclica. Parece-me a parte mais questionadora do Documento, que precisa ser lido e conhecido em profundidade.
A12, 10-07-2015.
*Dom Odilo Pedro Scherer é arcebispo de São Paulo.

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