O que mudou a vida de Paulo foi o seu encontro com Deus misericordioso por meio de Jesus.
Por Cardeal Odilo P. Scherer*Festejamos a conversão do apóstolo São Paulo em pleno Ano Santo extraordinário da Misericórdia, durante o qual a Igreja nos convida a olhar para os santos, para aprender deles a viver a misericórdia.
São Paulo nem sempre é lembrado logo quando falamos dos “santos da misericórdia”; de fato, ele se sobressai mais como um pregador, um teólogo e missionário. Mas se formos ver mais a fundo, ficamos impressionados com seu enorme amor por Jesus Cristo e pela Igreja, seu ardor missionário e sua perseverança em dar seu testemunho por Cristo e pelo Evangelho, apesar das perseguições e ameaças que sofre.
Para São Paulo a misericórdia não é um conceito intelectual, nem um sentimento vago, mas corresponde ao modo de agir de Deus para com ele e para com toda a humanidade. Ele se refere à sua conversão como um fato de misericórdia de Deus”: “Alcancei misericórdia porque agia por ignorância, não tendo ainda fé” (1Tm 1,13). E continua, na mesma Carta: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro. Mas alcancei misericórdia...” (1,15-16).
O que mudou a vida de Paulo foi o seu encontro com Deus misericordioso por meio de Jesus Cristo, “rosto visível do Deus misericordioso invisível. Por isso, Paulo volta com frequência ao tema da misericórdia de Deus nas suas pregações e cartas. Na saudação da Carta a Timóteo ele deseja que “a graça, a misericórdia e a paz, da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus” estejam com seu destinatário (cf 1Tm 1,2; 2Tm 1,2).
Na 2ª Carta aos Coríntios, logo após a saudação, Paulo exalta a misericórdia de Deus, que o assistiu em suas provações: “Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação!” (2Cor 1,3). Ele não reconhece a misericórdia de Deus apenas na abundante graça do perdão dos pecados que recebeu, mas também no chamado a ser apóstolo, a anunciar o Evangelho da salvação (cf 2Cor 4,1) e na assistência contínua que recebe de Deus, que o protege e não o desampara. Paulo tem consciência que vive da misericórdia de Deus.
E assim, ele pode dizer que “Deus é rico em misericórdia” porque nos amou quando ainda éramos pecadores (Ef 2,4); e a prova dessa ilimitada e inesgotável misericórdia está no envio do Filho de Deus ao mundo, por amor aos pecadores, para que todos sejam salvos por meio dele. A salvação é obra da misericórdia de Deus (cf Tt 3,5). Acolher a misericórdia de Deus também significa buscar o perdão de Deus e o arrependimento sincero dos pecados. Por isso, ele recomenda, em nome de Cristo, que cada um busque a misericórdia de Deus com confiança e se reconcilie com Deus (cf 2Cor 5,14-21).
Como consequência do encontro com o Deus misericordioso, São Paulo recomenda que também os cristãos e discípulos de Cristo correspondam na sua vida à misericórdia de Deus, acolhendo-a como dom gratuito e sendo misericordiosos uns para com os outros: “Portanto, como eleitos, santos e amados, revesti-vos com sentimentos de misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência...” (cf Cl 3,12).
Paulo também incentiva a praticar as “obras de misericórdia”: ser pacientes uns com os outros, mansos e bondosos, suportar as fraquezas dos demais, perdoar-se reciprocamente (cf Cl 3,12-17). Na Carta aos Romanos, ele recomenda, “pela misericórdia de Deus”, que os fiéis se dediquem a todo tipo de obra boa e conforme a misericórdia de Deus. A vida cristã, no seguimento de Jesus Cristo, passa a ser identificada pela prática da misericórdia.
Não é sem razão que o Papa Francisco chama toda a Igreja a renovar-se na misericórdia durante este Jubileu extraordinário da Misericórdia. E isso consiste, em primeiro lugar, na acolhida da misericórdia de Deus. Quem fez a experiência profunda do perdão de Deus, da gratuidade do amor e da compaixão de Deus, também é levado a praticar a misericórdia. Esta prática, portanto, não decorre de uma imposição moral, mas de uma gratificante experiência vivida.
De fato, a prática da misericórdia é recomendada por Jesus como forma de sintonia e imitação de Deus: “sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso”; de maneira semelhante, Jesus ainda recomenda: “sede perfeitos como vosso Pai do céu é perfeito” (cf Mt 5,48).
Entre as perfeições de Deus, eu devemos imitar, está a misericórdia. E a religião agradável a Deus inclui a misericórdia, como já recomendavam os profetas e Jesus confirmou: “misericórdia eu quero, e não sacrifícios” (cf Os 6,6; Mt 9,13).
São Paulo é, portanto, um exemplo para nós sobre a acolhida da misericórdia de Deus e a prática quotidiana da misericórdia, em vista de uma vida cristã autêntica.
CNBB 20-01-2016.
*Cardeal Odilo P. Scherer é arcebispo de São Paulo (SP).
25/01/2016 | domtotal.com
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