Por Dom Alberto Taveira Côrrea*
O Senhor antecipou sacramentalmente sua entrega na última Ceia. Após a Ressurreição, ele se manifestou a seus discípulos. Como somos peregrinos na história, queremos pedir ajuda aos discípulos de Emaús, para aprender a reconhecê-lo no partir do Pão. Nosso desejo sincero é que todos os participantes do XVII Congresso Eucarístico Nacional reconheçam sua presença e se tornem missionários e missionárias, levando consigo a riqueza do que viveremos juntos, ajudados pela reflexão oferecida pelo Padre Giovanni Martoccia SX, cujos pontos principais oferecemos a todos (Cf. Texto-base do XVII Congresso Eucarístico Nacional, Edição da Arquidiocese de Belém).
O dia estava cinzento como o coração de todos os discípulos, cheios de medo, dúvida e tristeza. As esperanças messiânicas alimentadas por Jesus dissiparam-se no vento da repressão romana; e, junto com elas, também o sonhos de um Reino de Deus, por tanto tempo acalentado, se espatifou no iníquo patíbulo que recebeu a condenação do Justo. O testemunho das mulheres de que o corpo de Jesus não estava no túmulo não foi suficiente para convencer os apóstolos de que algo extraordinário havia acontecido. Ninguém do grupo quis acreditar. Mas quantas vezes lhes confirmara que iria ressuscitar! Entesourar a memória de sua palavra era pré-requisito indispensável para não naufragar no meio da tragédia. Sua palavra, meditada no coração, é âncora segura da fé, fonte de esperança e força propulsora do anúncio da Boa Nova.
Dois discípulos, tendo deixado a cidade de Jerusalém, teatro dos tristes acontecimentos da prisão e execução do Mestre, dirigiram-se a Emaús, aldeia a duas horas de boa caminhada. Parecem querer voltar a seu passado e esquecer tudo o que havia acontecido, enterrando a última lembrança de suas esperanças frustradas. Mas era justamente esse pavio fumegante que os impelia a conversar sobre aqueles mesmos eventos inesquecíveis. O caminho pedregoso e acidentado ritmava os inconstantes e ríspidos pensamentos de seus corações. Os olhos de sua memória parecem fechados, completamente vedados, a ponto de não reconhecer nem mesmo o próprio Jesus que, aproximando-se, pôs-se a caminhar com eles.
Estavam tão concentrados que não deram nenhuma atenção ao desconhecido, que toma a iniciativa e puxa conversa, perguntando sobre o assunto que os preocupava e que parecia tão sério: “Que é que vocês vão discutindo pelo caminho?” Estavam tristes e abatidos pela morte de seu Mestre, decepcionados porque pensavam que ele fosse o Messias, e agora acham que se enganaram. Finalmente, eles param. Uma parada, nessa caminhada, símbolo da nossa caminhada de vida, é o primeiro passo para compreender como nos afastamos dele, a ponto de nem o reconhecermos mais, e quanta tristeza sua falta trouxe em nossa vida. Ele nos visita, mas muitas vezes não percebemos sua presença porque ficamos amarrados ao nosso velho modo de pensar, à nossa imaginação que quer determinar o agir de Deus. O mesmo Jesus que eles conheciam tão bem estava diante deles, conversando com eles e, mesmo assim, não o reconheceram. Como é possível?
Na verdade, Jesus é o mesmo. São os discípulos que mudaram; fechando-se em sua esperança frustrada não conseguem mais reconhecê-lo. Antes, eles olhavam para Jesus com confiança, acreditavam nele. Agora estão decepcionados e seu olhar é diferente. As falsas expectativas lhes vendaram os olhos. No entanto, Jesus cumpriu todas as suas palavras, mas não como eles imaginavam. É preciso receber algo novo, nova luz para que os olhos se abram e, finalmente, o reconheçam.
A Jesus, que pergunta esclarecimentos sobre esses acontecimentos tão graves, responde Cléopas com outra pergunta que parece expressar espanto e irritação: “Serás tu o único forasteiro em Jerusalém que desconhece o que se passou aí nestes últimos dias?”. Jesus se mostra muito interessado e pronto a ouvir tudo o que ocorreu. Cléopas informa o curioso forasteiro dos fatos que tanto marcaram a vida deles. Conta tudo a partir do ministério de Jesus, conhecido como o Nazareno. Mas os dois discípulos não souberam acolher os acontecimentos e interpretá-los. Estão decepcionados!
A decepção dos discípulos é justificada pelo fato que “já faz três dias que todas essas coisas aconteceram!” e ele não apareceu. Depois de Jesus ter escutado com atenção toda a história que eles tinham para contar, de repente os repreende com severidade. Jesus, com uma pergunta sobre a necessidade do sofrimento do Messias dá início à catequese pascal. É preciso que a vida de Jesus seja interpretada à luz das Sagradas Escrituras.
Quando chegaram perto do povoado para onde iam, ele fez de conta que ia mais adiante. “Fica conosco, porque é tarde e o dia já declina”. Entrou então para ficar com eles. Realmente, a vida sem ele fica muito escura, sem luz nem sentido, como peregrino em noite de lua nova. Se compartilharmos nossa jornada com ele, ouvindo suas palavras, Uma vez à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, o partiu e distribuiu entre eles. Então, seus olhos se abriram e o reconheceram. É Jesus que toma a iniciativa, que se aproximou deles e lhes explicava tudo. Na fração do pão, fez com que seus olhos se abrissem. Eles agora o reconhecem. Será ainda Jesus que abrirá a mente aos Onze para entenderem as Escrituras, pois tudo o que estava escrito tinha que se cumprir.
Jesus desaparece no momento em que os dois discípulos o reconhecem. É para nos advertir que não se trata de uma visão extraordinária, mas do normal caminho da fé que nos conduz ao encontro com o Cristo vivo na Eucaristia, na convivência fraterna, na escuta da Palavra, no testemunho generoso e no compromisso evangelizador. Não são as feições físicas que permitem reconhecer Jesus ressuscitado como o mesmo que foi crucificado, mas o gesto distintivo de sua existência: a fração do pão, gesto que expressa e traz presente seu dom de amor total e incondicional, seu serviço, seu viver para os outros. No testemunho recíproco a fé manifesta sua dimensão comunitária, revela sua força transformadora, revigora o coração e ilumina os caminhos da Igreja. E disseram um ao outro: “Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” Sob esse impulso jubiloso, dois voltaram para Jerusalém. Voltou a esperança, o entusiasmo, a fé e a força para retomar o caminho, ainda que seja longo e difícil, e a noite adiantada. Mas a escuridão da noite já não assusta mais. A luz que agora brilha no coração é mais que suficiente para vencer a treva ameaçadora. Ao chegar a Jerusalém, mais uma surpresa agradável os aguarda. Acharam aí reunidos os Onze e seus companheiros, que disseram: “É verdade! O Senhor ressurgiu e apareceu a Simão!” Então, por sua vez, também contaram os acontecimentos do caminho e como Jesus fora por eles reconhecido na fração do pão.
À comunidade que se perguntava sobre como reencontrar o Senhor Jesus hoje, Lucas narra o episódio dos discípulos de Emaús. O relato visa a transmitir à comunidade a alegria do encontro com o Senhor, o Vivente, e incentivá-la a buscar na comunhão e na vivência de Igreja uma experiência pessoal de sua presença. Todos aqueles que buscam o Senhor de coração sincero e apaixonado abrindo-se ao alimento de sua Palavra e da Ceia eucarística, perceberão sua voz e sua presença. Jesus se faz presente, como desconhecido, nos caminhos da vida, nos encontros inesperados, nos acontecimentos cotidianos, que precisam ser compreendidos à luz de sua Palavra. Trata-se de identificar a ação de Deus em nossa história, adquirindo uma inteligência espiritual dos acontecimentos e fazendo “memória”, como Maria, no coração.
CNBB 01-07-2016.
*Dom Alberto Taveira Côrrea: Arcebispo de Belém (PA).
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