(Primeira Parte)
A cultura tende a
menosprezar a “novidade” que a terceira idade pode trazer para a vivência da
humanização, da personalização e da socialização da sexualidade.
Por Nilo Ribeiro Junior*
Desde que a reflexão do corpo voltou à baila
graças aos últimos avanços, seja das ciências biológicas, da informática, seja
das ciências humanas e da filosofia, temos sido surpreendidos pela redescoberta
de algo fundamental a respeito da própria condição humana. A saber, estamos a
ouvir vozes uníssonas a insistir de que o ser humano não “tem” um corpo, mas
“é” seu corpo, isto é, ele é um ser-no-mundo-com-os-outros e sua inserção no
mundo se expressa culturalmente na sua configuração “como” corpo e não “apesar”
ou “contra” o corpo. E que, portanto, o corpo humano não se reduz a um objeto
ou a um conjunto de órgãos ou à mera fisiologia. Antes, a corporeidade diz
respeito à condição existencial, relacional, cultural, social, política,
religiosa etc. do ser humano. Toda a experiência humana passa, portanto, pelo
crivo do corpo e o corpo diz em profundidade quem é o ser humano na sua
identidade feita de diversidade e pluralidade. Em suma, na corporeidade se
inscreve a humanidade do ser humano na sua unicidade e integralidade aberta.
Nesse horizonte vemo-nos também interpelados a
ter de ressignificar o sentido do sexo (humano) a partir do “gênero”. Afinal,
se o ser humano é eminentemente corporeidade, seria inconcebível tratá-lo como
alguém que apenas “tem” sexo. Ao contrário, o ser humano traz a marca da
sexualidade em todos os poros de seu corpo e a narrativa de sua carnalidade
condensa sua história sexuada, de modo que a sexualidade emerge como categoria
de gênero genuinamente humanizante da condição do ser humano no mundo. Por
isso, desde o fio de cabelo passando pela pele e descendo aos dedos dos pés,
tudo no ser humano remete a uma dimensão eminentemente sexual porque o sexo não
se refere a uma região do corpo e não poderá jamais ser identificado
simplesmente com uma função ou uma pulsão, nem com a mera plasticidade genital.
Ela remete à complexidade e ao enigma da pessoalidade do indivíduo que, por sua
vez ultrapassa a materialidade do corpo/sexo de modo que graças à carnalidade
humana se plasma a sexualidade de gênero na cultura, na história, na linguagem
e na vida do corpo social.
É baseado, portanto, nessa visão filosófica
que privilegia a abordagem do ser humano a partir da corporeidade e da
sexualidade como gênero em detrimento da tradicional visão do ser humano como
“animal racional” na qual se acostumou a separar corpo de alma ou a contrapor
corpo e espírito – nova visão inaugurada pela Fenomenologia, escola filosófica
que nasceu no início do século XX na Alemanha, com Edmund Husserl –, que se tem
procurado repensar ou reinventar uma nova percepção da senescência ou do
envelhecimento (do ser humano) que supere toda visão depreciativa,
preconceituosa ou que tenda a considerar a sexualidade como algo já dado,
pronto e acabado e, que por isso mesmo chegue a tratá-la como secundária e
relativizada no contexto da experiência humana da denominada “terceira idade”.
Ora, as pessoas que se experimentam em plena
senescência e cuja sexualidade é vivida a partir do gênero ou de sua
corporeidade que não se restringe ao corpo biológico, deparam com certo
“paradoxo” diante da nova cultura somática contemporânea. Essa cultura do corpo
tem suas exigências que se impõem também às pessoas que estão em pleno
envelhecimento. Nesse sentido a cultura tende a menosprezar a “novidade” que a
terceira idade – idade existencial e não meramente biológica e cronológica de
pessoa que envelhece – pode trazer para a vivência da humanização, da
personalização e da socialização da sexualidade.
Por um lado, a cultura somática atual valoriza
sobremaneira o corpo e a saúde a partir do ideal do bem estar físico, isto é,
do acento exacerbado na performance em detrimento da construção da
interioridade, do desenvolvimento da dimensão psíquico-espiritual da
subjetividade e da tessitura relacional e social da sexualidade calcadas no
“bem viver com os outros no mundo”.
Por outro, essa cultura não poucas vezes acaba por depreciar o corpo, sobretudo
aquele que não corresponda aos novos padrões do avanço da biologia e da
informática. Desse modo, tende a considerar obsoleto aquilo que não adeque ao
“mito do corpo e do sexo perfeitos” retroalimentado, concomitantemente, pela
visão cientificizante do sexo na sua aversão aos corpos envelhecidos. A cultura
do corpo performático tende a menosprezar outras dimensões da corporeidade e da
vida humana que só se revelam como tais no corpo senescente.
Por vezes essa
mentalidade acaba por lançar os indivíduos senescentes no afã de uma “moral do
espetáculo” à medida que sem veem “obrigados” (moral) a ter de consumir e promover
a todo custo o corpo e o sexo da recém-inaugurada “cultura do viagra”. Nesse
caso, o envelhecimento e a fecundidade da experiência sexual das pessoas na
terceira idade, ambas correm o risco de serem banalizadas ou renegadas naquilo
que elas têm de mais significantes do ponto de vista existencial, a saber, o
fato de que a corporeidade possui uma dimensão constitutivamente senescente
como qualidade e não como defeito.
O autor é Professor e
pesquisador lotado no curso de filosofia e no mestrado em Ciências da religião
da Universidade Católica de Pernambuco.
04/02/2013 | domtotal.com
(Primeira Parte)
A cultura tende a
menosprezar a “novidade” que a terceira idade pode trazer para a vivência da
humanização, da personalização e da socialização da sexualidade.
Por Nilo Ribeiro Junior*
Desde que a reflexão do corpo voltou à baila
graças aos últimos avanços, seja das ciências biológicas, da informática, seja
das ciências humanas e da filosofia, temos sido surpreendidos pela redescoberta
de algo fundamental a respeito da própria condição humana. A saber, estamos a
ouvir vozes uníssonas a insistir de que o ser humano não “tem” um corpo, mas
“é” seu corpo, isto é, ele é um ser-no-mundo-com-os-outros e sua inserção no
mundo se expressa culturalmente na sua configuração “como” corpo e não “apesar”
ou “contra” o corpo. E que, portanto, o corpo humano não se reduz a um objeto
ou a um conjunto de órgãos ou à mera fisiologia. Antes, a corporeidade diz
respeito à condição existencial, relacional, cultural, social, política,
religiosa etc. do ser humano. Toda a experiência humana passa, portanto, pelo
crivo do corpo e o corpo diz em profundidade quem é o ser humano na sua
identidade feita de diversidade e pluralidade. Em suma, na corporeidade se
inscreve a humanidade do ser humano na sua unicidade e integralidade aberta.
Nesse horizonte vemo-nos também interpelados a
ter de ressignificar o sentido do sexo (humano) a partir do “gênero”. Afinal,
se o ser humano é eminentemente corporeidade, seria inconcebível tratá-lo como
alguém que apenas “tem” sexo. Ao contrário, o ser humano traz a marca da
sexualidade em todos os poros de seu corpo e a narrativa de sua carnalidade
condensa sua história sexuada, de modo que a sexualidade emerge como categoria
de gênero genuinamente humanizante da condição do ser humano no mundo. Por
isso, desde o fio de cabelo passando pela pele e descendo aos dedos dos pés,
tudo no ser humano remete a uma dimensão eminentemente sexual porque o sexo não
se refere a uma região do corpo e não poderá jamais ser identificado
simplesmente com uma função ou uma pulsão, nem com a mera plasticidade genital.
Ela remete à complexidade e ao enigma da pessoalidade do indivíduo que, por sua
vez ultrapassa a materialidade do corpo/sexo de modo que graças à carnalidade
humana se plasma a sexualidade de gênero na cultura, na história, na linguagem
e na vida do corpo social.
É baseado, portanto, nessa visão filosófica
que privilegia a abordagem do ser humano a partir da corporeidade e da
sexualidade como gênero em detrimento da tradicional visão do ser humano como
“animal racional” na qual se acostumou a separar corpo de alma ou a contrapor
corpo e espírito – nova visão inaugurada pela Fenomenologia, escola filosófica
que nasceu no início do século XX na Alemanha, com Edmund Husserl –, que se tem
procurado repensar ou reinventar uma nova percepção da senescência ou do
envelhecimento (do ser humano) que supere toda visão depreciativa,
preconceituosa ou que tenda a considerar a sexualidade como algo já dado,
pronto e acabado e, que por isso mesmo chegue a tratá-la como secundária e
relativizada no contexto da experiência humana da denominada “terceira idade”.
Ora, as pessoas que se experimentam em plena
senescência e cuja sexualidade é vivida a partir do gênero ou de sua
corporeidade que não se restringe ao corpo biológico, deparam com certo
“paradoxo” diante da nova cultura somática contemporânea. Essa cultura do corpo
tem suas exigências que se impõem também às pessoas que estão em pleno
envelhecimento. Nesse sentido a cultura tende a menosprezar a “novidade” que a
terceira idade – idade existencial e não meramente biológica e cronológica de
pessoa que envelhece – pode trazer para a vivência da humanização, da
personalização e da socialização da sexualidade.
Por um lado, a cultura somática atual valoriza
sobremaneira o corpo e a saúde a partir do ideal do bem estar físico, isto é,
do acento exacerbado na performance em detrimento da construção da
interioridade, do desenvolvimento da dimensão psíquico-espiritual da
subjetividade e da tessitura relacional e social da sexualidade calcadas no
“bem viver com os outros no mundo”.
Por outro, essa cultura não poucas vezes acaba por depreciar o corpo, sobretudo aquele que não corresponda aos novos padrões do avanço da biologia e da informática. Desse modo, tende a considerar obsoleto aquilo que não adeque ao “mito do corpo e do sexo perfeitos” retroalimentado, concomitantemente, pela visão cientificizante do sexo na sua aversão aos corpos envelhecidos. A cultura do corpo performático tende a menosprezar outras dimensões da corporeidade e da vida humana que só se revelam como tais no corpo senescente.
Por outro, essa cultura não poucas vezes acaba por depreciar o corpo, sobretudo aquele que não corresponda aos novos padrões do avanço da biologia e da informática. Desse modo, tende a considerar obsoleto aquilo que não adeque ao “mito do corpo e do sexo perfeitos” retroalimentado, concomitantemente, pela visão cientificizante do sexo na sua aversão aos corpos envelhecidos. A cultura do corpo performático tende a menosprezar outras dimensões da corporeidade e da vida humana que só se revelam como tais no corpo senescente.
Por vezes essa
mentalidade acaba por lançar os indivíduos senescentes no afã de uma “moral do
espetáculo” à medida que sem veem “obrigados” (moral) a ter de consumir e promover
a todo custo o corpo e o sexo da recém-inaugurada “cultura do viagra”. Nesse
caso, o envelhecimento e a fecundidade da experiência sexual das pessoas na
terceira idade, ambas correm o risco de serem banalizadas ou renegadas naquilo
que elas têm de mais significantes do ponto de vista existencial, a saber, o
fato de que a corporeidade possui uma dimensão constitutivamente senescente
como qualidade e não como defeito.
O autor é Professor e
pesquisador lotado no curso de filosofia e no mestrado em Ciências da religião
da Universidade Católica de Pernambuco.
04/02/2013 | domtotal.com






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